Promotores que investigam o esquema de corrupção descoberto na Receita Estadual do Paraná afirmam que ele começou a atuar há três décadas, faturava R$ 50 milhões por ano em propinas, tinha
o poder de levar empresas à falência e abasteceu campanhas políticas como a do governador do Estado, Beto Richa (PSDB), no ano passado.
Auditores da Receita Estadual do Paraná, alvo de investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), começaram a praticar extorsão em 1984, segundo os procuradores. A investigação é baseada em dezenas de relatos de auditores fiscais e empresários que firmaram acordos de delação premiada.
Os promotores também tiveram acesso a anotações, escutas telefônicas, documentos de empresas que teriam sido alterados ilegalmente por auditores, movimentações suspeitas em contas bancárias e processos não concluídos abertos na Receita.
O principal delator do caso, o auditor Luiz Antônio de Souza, disse que parte da propina abasteceu a campanha de Richa no ano passado. Segundo ele, a IGF (Inspetoria-Geral de Fiscalização) repassava valores diretamente para Luiz Abi Antoun, primo do governador preso em decorrência da operação. Ao todo, teriam sido R$ 4,3 milhões.
Em nota, o PSDB negou as acusações. O partido diz que Abi jamais tratou da arrecadação de campanha de Richa e que todas as doações recebidas pelo governador foram feitas de acordo com a legislação eleitoral. Richa também nega as acusações, e afirma que Antoun é apenas um "primo distante".
Abi Antoun é apontado pelo Ministério Público Estadual como a mais influente e importante figura do esquema de corrupção. Além dele, outro líder da operação era Márcio de Albuquerque Lima, companheiro de corridas de Richa e ex-inspetor-geral de fiscalização do órgão, preso na última quarta-feira (10).
De acordo com os promotores, o esquema demandava alta organização, com percentuais repassados aos líderes, metas de cotas mensais de propina, e abrangia praticamente todo o Estado.
'CAIXINHA'
As investigações indicam que os auditores ofereciam diversas maneiras para o pagamento da propina, como emissão artificial de créditos de ICMS, parcelamento, uso de empresas laranjas para empréstimos de notas ficais frias, entre outras práticas. Havia, inclusive, uma "caixinha", reserva a ser usada para pagar advogados caso o esquema fosse descoberto, dizem os promotores.
De cada propina recebida, 10% automaticamente tinha como destino funcionários da IGF em Curitiba, segundo as investigações, e o restante era dividido entre o auditor responsável e a respectiva delegacia regional.
Um vídeo que chegou até os promotores mostra um dos auditores investigados exigindo propina de US$ 35 mil em 1997. A investigação, batizada de Operação Publicano, já envolveu mais de cem pessoas, entre auditores, empresários e advogados.
Apenas nas delegacias de Londrina, Maringá e Curitiba, as propinas somaram R$ 38,4 milhões em 2014, segundo os promotores. O valor chegava a R$ 50 milhões somando as outras regionais. O prejuízo para os cofres públicos, que deixou de arrecadar multas e impostos que teriam sido sonegados pelas empresas, é incalculável.
As investigações mostram que os auditores iam até as empresas e cobravam propina para evitar multas e autuações, muitas vezes inventadas. Se a empresa devia, por exemplo, R$ 5 milhões à Receita, bastaria pagar R$ 1 milhão ao grupo, e o processo seria extinto.
Os empresários que se negavam a pagar propina sofriam retaliações, dizem os promotores. Dias depois, os auditores voltavam à empresa e realizavam uma devassa, levando documentos e computadores, e cobravam uma quantia astronômica e irreal, o que poderia levar a empresa à falência.
Mas nem todas as empresas eram alvo dos auditores. "Não mexe com os 'turcos' [...] não mexe com os primos", teria ordenado Márcio de Albuquerque Lima, referindo-se aos empresários da "colônia árabe".
Segundo os promotores, os auditores pagavam R$ 500 mensais a um policial para mantê-los informados sobre possíveis investigações do Gaeco —no caso, era um agente infiltrado, que reuniu informações sobre a rede. Quando o caso veio à tona, os fiscais ofereceram recompensa de R$ 50 mil por informações sobre a apuração.
LICENÇAS E SUICÍDIO
A explosão da Operação Publicano alterou radicalmente a rotina da Receita Estadual em Londrina. Um dos auditores citados na investigação tentou suicidar-se, sem sucesso. Ao menos sete fiscais pediram licença especial remuneratória para fins de aposentadoria —no mesmo período de 2014, nenhum auditor requereu esta licença.
O principal delator do caso, o auditor Luiz Antônio de Souza, preso em flagrante com uma menina de 15 anos em um motel de Londrina, vai entregar duas fazendas, avaliadas em R$ 20 milhões, aos cofres públicos. A devolução está prevista no acordo de delação premiada. O patrimônio dele está estimado em mais de R$ 30 milhões.
A Receita organizou uma força-tarefa para investigar as denúncias na delegacia, em andamento. O objetivo, segundo a Secretaria da Fazenda do Paraná, é revisar os trabalhos efetuados pelos fiscais envolvidos na investigação do Ministério Público.
Paralelamente, a Secretaria da Fazenda informou que investiga a sonegação de pelo menos R$ 115,5 milhões em créditos falsos de ICMS, gerados artificialmente. Até agora, 275 empresas já foram notificadas.
Fonte: Folha de São Paulo
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