Há quatro anos, o jovem norte-americano Ross Ulbricht, um antigo escuteiro e bem-sucedido aluno universitário com licenciatura em Física e mestrado em Ciência dos
Materiais, criou uma loja online para facilitar a venda de produtos que não se encontram em sites como a Amazon ou o eBay. Chamou-lhe Silk Road e colocou-a num canto escuro da Internet, um sítio que protege a identidade dos seus utilizadores e onde não se chega através dos browsers que usamos todos os dias para ler notícias ou partilhar fotografias de gatos nas redes sociais.
Em vez de livros novos ou telemóveis usados, quem entrava no Silk Road ia à procura de duas coisas, acima de tudo: anonimato e drogas. Muitas drogas. Cannabis e heroína. LSD e ecstasy. Mas também medicamentos que se vendem nas farmácias; garrafas de Krating Daeng – a forte bebida energética tailandesa que deu origem ao mais diluído Red Bull ocidental –; ou documentos de identificação falsos.
Durante três anos, o anonimato da operação e o aumento do volume de negócios no Silk Road renderam a Ross Ulbricht mais de 18 milhões de euros – a soma das partes que lhe cabiam por cada transacção feita entre compradores e vendedores, sempre pagas com a moeda virtual bitcoin, que não envolve bancos nem cartões de crédito.
Mas o obscuro mini-império de Ulbricht desmoronou-se em finais de 2013, quando foi detido por agentes do FBI numa biblioteca pública em São Francisco, no estado da Califórnia, em flagrante delito: estava a teclar no seu computador portátil e ligado à área de administração do Silk Road com o nome de utilizador Dread Pirate Roberts – nome do mítico e impiedoso pirata do livro The Princess Bride, escrito pelo norte-americano William Goldman.
Acusado de ser líder de uma organização criminosa – uma acusação geralmente reservada aos chefes da máfia –, e de seis outros crimes, Ulbricht foi condenado na sexta-feira a uma pena invulgarmente pesada: prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
De acordo com a lei norte-americana, a juíza Katharine B. Forrest não podia sentenciar Ross Ulbricht a menos de 20 anos de prisão, mas o criador do Silk Road já esperava pior, depois de a acusação ter pedido uma pena "substancialmente superior ao mínimo obrigatório". O que poucos esperavam, incluindo Ulbricht, era que a juíza quisesse fazer dele um exemplo, condenando-o à pena máxima que a lei permitia.
"O que você fez não tem precedentes. E, sendo a primeira pessoa a ultrapassar essa linha, senta-se neste tribunal como réu e tem de suportar as consequências desse facto", declarou Katharine B. Forrest, antes de proferir a sentença, que será alvo de recurso.
De escuteiro e bem-sucedido aluno universitário, Ross Ulbricht transformou-se no “chefe de uma organização digital de tráfico de droga que operava em todo o mundo”, segundo a acusação.
"Uma experiência"
A juíza sublinhou esse papel quando se dirigiu a Ulbricht na sala de audiências: "Não pode haver dúvidas de que ninguém está acima da lei, independentemente da sua instrução e dos seus privilégios. Todos são iguais perante a lei. Não pode haver dúvidas de que ninguém pode gerir uma enorme organização criminosa, e que essa actividade possa ser minimizada só porque existe apenas na Internet", disse Katharine B. Forrest. Admitiu no entanto que o criador do Silk Road "não encaixa no típico perfil de criminoso".
Foi nessa aparente disparidade entre o perfil de rapaz bem integrado e instruído, e o rótulo de perigoso criminoso internacional, que a defesa apostou para tentar convencer a juíza de que Ulbricht nunca pensou em criar uma organização criminosa – o Silk Road foi uma "experiência na área da economia", um "mercado sem interferência do Estado, aberto a todas as oportunidades".
Numa carta enviada à juíza no início da semana, Ulbricht mostrou-se arrependido e pediu clemência, argumentando que o tempo que já tinha passado na cadeia foi suficiente para "reflectir" sobre as suas "acções": "A ideia do Silk Road era dar às pessoas a liberdade para fazerem as suas próprias escolhas, para alcançarem a sua felicidade. Em vez disso, transformou-se num caminho conveniente para satisfazerem a dependência de drogas. Não defendo nem nunca defendi o uso excessivo de drogas. Com o Silk Road aprendi que quando damos liberdade às pessoas, nunca sabemos o que vão fazer com ela", escreveu Ross, ele que era conhecido pelos seus ideais libertários.
Em tribunal ficou provado que Ulbricht ganhou milhões com uma loja online que permitia a venda de drogas ilegais, e que pelo menos seis pessoas morreram após terem consumido drogas compradas no Silk Road. Mas a dureza da sentença deixou os seus apoiantes em estado de choque, e a sua mãe, Lyn, perdida numa floresta negra em busca do filho que conhecia: "Eu sei que se o Ross saísse da prisão amanhã, as autoridades nunca mais ouviriam falar dele. O Ross não é uma ameaça maior para a sociedade do que eu."
Fonte: Uol
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