De todos os países da América Latina que oferecem riscos e obstáculos para o exercício da profissão de jornalista, o México é, de longe, o caso de maior
gravidade. O número de profissionais mortos devido a denúncias feitas a líderes de cartéis ou políticos e empresários envolvidos com o narcotráfico é de 97, entre 2010 e 2015. Mas a pressão sobre a imprensa, que no interior é realizada de modo sangrento, na capital do país se exerce de modo mais engenhoso e político. Um desses movimentos causou a demissão da veterana jornalista Carmen Aristégui da rádio MVS, onde mantinha um programa diário de mais de quatro horas.
Aristégui, 51, é a jornalista mais famosa do México, e possui também um programa de comentários de notícias da América Latina na rede CNN. Em 2014, foi eleita mulher mais poderosa do país pela “Forbes”. Também no ano passado, revelou que a mulher do presidente Enrique Peña Nieto, a atriz Angélica Rivera, havia comprado uma casa de valor estimado de US$ 7 milhões de um empresário beneficiado pelo governo em obras de infraestrutura. A denúncia de Aristégui desencadeou uma verdadeira novela em torno da chamada “Casa Blanca”, um dos pontos altos foi o vídeo que a primeira-dama gravou em resposta à jornalista, no qual defendeu com evidente hipocrisia que a propriedade havia sido comprada com seu salário de atriz televisiva.
Na tarde de sua demissão, centenas de pessoas rodearam a sede da emissora com faixas que diziam: “Eu sou Carmen” e “Fora, Peña!”, enquanto uma campanha online arrecadou mais de 200 mil assinaturas pedindo sua reintegração. A jornalista vinha sendo uma das vozes mais engajadas em pedir justiça pelos 43 estudantes desaparecidos de Ayotzinapa. Aristégui disse que sua demissão era resultado do “vendaval autoritário” que julga estar por trás do silêncio dos meios de comunicação.
A emissora justifica a demissão dizendo que era impossível responder ao ultimato dado pela apresentadora para que voltassem atrás na demissão de outros dois jornalistas de sua equipe. Irving Huerta and Daniel Lizarraga haviam colaborado com Aristégui para realizar a denúncia. Mas acabaram demitidos. “Eles deveriam ser premiados, não mandados embora”, disse a jornalista em pronunciamento após a demissão. A emissora ainda acrescenta que Aristégui fazia propaganda indevida de seu projeto, o Mexicoleaks, em seu programa. A plataforma digital dedica-se a receber denúncias anônimas de escândalos políticos no país.
A demissão de Aristégui chega num momento em que o presidente Enrique Peña Nieto enfrenta uma queda de popularidade, hoje por volta dos 25%, devido à propaganda negativa do país no exterior por conta da violência e aos maus resultados na economia. Apesar de haver proposto uma elogiada reforma energética, Peña Nieto não tem sabido lidar com as consequências da queda do preço do barril de petróleo. A previsão de crescimento do país em 2015 é pelo menos 2% menor do que anunciava o governo no fim do ano passado. Com a aproximação da eleição de meio de mandato, onde o PRI pode perder a maioria de apoio que hoje possui no Congresso, Peña Nieto e seus aliados tentam fazer com que os 43 estudantes desaparecidos desapareçam dos noticiários.
Os grupos Azteca e Televisa têm pactos informais com o governo, para evitar veicular notícias negativas com relação à violência no país. Nesse sentido, Aristégui era uma espécie de voz solitária, junto a algumas publicações, como a revista “Proceso”, a expor casos de corrupção que envolvem esferas superiores, assim como o encobrimento de vários crimes cometidos pelo narcotráfico e por políticos envolvidos com o comércio ilegal de drogas. Aristégui diz que não vai se calar, e continuará com o projeto online e com seu programa diário na CNN. Sua voz, ainda que contestada por colegas que a consideram muito vaidosa e sensacionalista, será mais do que necessária nesse momento de transição no país.
Fonte: Folha de São Paulo
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