Uma equipe internacional de arqueólogos encontrou novas evidências de que o sertão do Piauí abrigou alguns dos primeiros seres humanos das Américas, que teriam
vivido por lá há mais de 20 mil anos.
A hipótese é polêmica e contestada pela maior parte da comunidade científica. Mas os autores do novo estudo realizaram uma análise de detalhes microscópicos da superfície dos artefatos achados no Parque Nacional Serra da Capivara, mostrando que eles só poderiam ter sido usados por pessoas para tarefas como cortar carne ou desbastar madeira, por exemplo.
Esse dado pode ser crucial porque, para muitos dos céticos que questionam a antiguidade dos sítios arqueológicos piauienses, os artefatos encontrados por lá não passariam de pedras alteradas por forças naturais, e não instrumentos feitos por mãos humanas.
O estudo, publicado em edição recente da revista especializada "Antiquity", é assinado pela arqueóloga brasileira Niède Guidon, da Fumdham (Fundação Museu do Homem Americano), pelo francês Eric Boëda, da Universidade Paris 10, e por outros colegas do Brasil, da França, da Espanha e do Chile.
Conhecido como Vale da Pedra Furada, o sítio estudado pela equipe apresenta uma longa sequência de ocupações esparsas, com carvões de fogueira e instrumentos de pedra rudimentares, feitos de quartzo (veja infográfico).
"É normal que os instrumentos sejam simples, porque o quartzo é bastante difícil de trabalhar", declarou Guidon à Folha."Mesmo assim, em fases posteriores da ocupação, há artefatos de quartzo belíssimos, como pontas de flecha."
Os pesquisadores usaram dois métodos independentes para datar o carvão e os próprios artefatos. As duas metodologias levaram a datas bastante parecidas nas várias camadas do sítio, com as mais antigas sendo ligeiramente mais antigas que 20 mil anos antes do presente.
Guidon diz não estranhar que as datas muito antigas da serra da Capivara pareçam isoladas, com quase todos os outros sítios do Brasil com idades a partir de cerca de 10 mil anos atrás. "O parque é talvez o único lugar do Brasil onde temos pesquisas o ano todo. Não conhecemos datas semelhantes em outros lugares porque ainda se explorou muito pouco. Falta pesquisa mesmo", argumenta.
MENOS CETICISMO
A "Antiquity" convocou arqueólogos do mundo todo para dar sua opinião sobre as novas descobertas no Piauí, já que o artigo de Guidon e seus colegas foi publicado na seção "Debate" da revista, destinada a temas polêmicos.
A publicação dos brasileiros recebeu elogios cautelosos do antropólogo americano Tom Dillehay, da Universidade Vanderbilt, um dos responsáveis pela descoberta do sítio arqueológico de Monte Verde, no Chile –hoje considerado o mais antigo das Américas, com 14,5 mil anos.
Dillehay conta que inicialmente não se convenceu com os artefatos achados na serra da Capivara. "Agora, depois de visitar outros locais na América do Sul, minhas expectativas mudaram. Estou mais aberto à possibilidade de que a região foi usada como acampamento por pequenos grupos móveis de seres humanos", afirma ele. O antropólogo, porém, diz que seria importante ter mais informações sobre a associação exata entre instrumentos de pedra e carvão de fogueiras, por exemplo.
Kjel Knutsson, da Universidade de Uppsala, na Suécia, foi mais incisivo: se a datação das camadas mais profundas do Vale da Pedra Furada estiver correta, "fica demonstrado que a América do Sul já tinha sido povoada por hábeis fabricantes de ferramentas há mais de 20 mil anos".
Segundo Guidon, no entanto, a continuidade das pesquisas na região está ameaçada pela "péssima" situação financeira da Fumdham, que cuida do parque nacional. O órgão enfrenta dificuldades para conseguir doações desde 2010. "Já avisamos os funcionários que, se a situação não melhorar, a partir de março teremos de fechar o parque", diz.
Fonte: Folha de São Paulo
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