quinta-feira, fevereiro 12, 2015

Folha acompanha Exército curdo, que tenta evitar avanço do Estado Islâmico

"O Estado Islâmico está olhando para a gente neste exato momento, esperando a melhor hora para atacar", disse o general curdo Bakir
Qadir, comandante da Unidade 1 dos peshmerga (Exército curdo) em Kirkuk, enquanto mostrava as duas bandeiras negras do grupo terrorista a menos de 200 metros do posto avançado onde estávamos.

"Calculamos que uns 50 deles estão escondidos ali naquela construção", afirmou o general, apontando um prédio baixo e semidestruído por bombardeios.

Foi esse posto avançado dos peshmerga que mais de 200 militantes do Estado Islâmico atacaram no dia 30 de janeiro, em mais uma tentativa de capturar a cidade de Kirkuk, rica em petróleo.

Armados com tanques, mísseis, morteiros e metralhadoras, os extremistas vieram de várias direções simultaneamente e mataram 14 militares, entre eles o general Shirko Fatih, um dos mais famosos do Curdistão, região autônoma no norte do Iraque controlada pelos curdos.

Ao mesmo tempo, um homem-bomba se explodiu diante de um prédio usado pela polícia no centro de Kirkuk.

Se não fossem os ataques aéreos da coalizão liderada pelos Estados Unidos, o EI teria assumido o controle do posto, abrindo caminho para invadir Kirkuk, disse Qadir. Enquanto falava, o general mandava a reportagem da Folha se abaixar, fazendo sinais com a mão e advertindo: "Snipers! Snipers! (Atiradores, atiradores)".

LUTA DESIGUAL

Os peshmerga são a última linha de defesa contra os extremistas do EI no norte do Iraque. O Exército iraquiano desertou no norte e combate só no resto do país.

Desde que proclamou seu "califado" em junho, o EI já conquistou um terço do território iraquiano, incluindo Mossul –a segunda maior cidade do país–, e agora tenta tomar Kirkuk.

A luta dos curdos contra o EI é desigual. Os cerca de 30 mil extremistas do EI dispõem de alguns dos mais modernos armamentos americanos. Quando o grupo terrorista tomou cidades como Mossul, o Exército iraquiano fugiu e deixou armas e tanques.

Já os cerca de 150 mil peshmerga têm que se virar com armas ultrapassadas e insuficientes. "À noite, desce um nevoeiro e fica muito difícil enxergar os militantes do EI que cruzam o rio, porque não temos óculos de visão noturna para todos", disse o general Barzan Qasab, comandante da base de Gwer, a 15 quilômetros de Mossul.

Lá, eles improvisaram seu próprio tanque "made in Curdistão": caminhonetes Toyota LandCruiser adaptadas com placas de ferro para montar a metralhadora DShK 1938, que eles chamam de "Doshka".

Os snipers curdos usam ultrapassados rifles soviéticos Dragunov, dos anos 60. Não há nem sequer roupas térmicas para os soldados, que encaram temperaturas abaixo de zero. Eles se viram com cobertores e, às vezes, fogueiras –transformando-se em alvos fáceis. Estima-se que mais de mil peshmerga tenham morrido em combates contra o EI desde junho.

Como o Curdistão não é um Estado independente, existem restrições à compra de armas. E Bagdá, temendo as ambições de independência dos curdos, não repassa armamentos.

A partir da ofensiva do EI em junho, alguns países passaram a ajudar os curdos com armas (Alemanha) e ataques aéreos e treinamento (EUA). Mas os peshmerga se queixam de que isso ainda não é suficiente.

"Se nos derem armas, não precisamos de mais nada", afirmou Adnan Gardi, coordenador de comunicações do ministério dos peshmerga. "Por que os americanos só fazem ataques aéreos? Por que não nos dão mais armas? Vai chegar o dia em que os americanos vão reconhecer que os curdos merecem independência. Se não fosse por nós combatendo o EI aqui no norte, com poucos recursos e muito sangue, o Iraque já teria se tornado um caos."

Mas os EUA temem que, ao armar os curdos, possam estar dando combustível para uma futura guerra de secessão. E, de fato, a luta dos curdos contra o EI foi um estímulo à autonomia –estão contendo os fundamentalistas praticamente sozinhos.

VIRANDO O JOGO

Editoria de arte/Folhapress
Em Gwer, os soldados festejavam os mísseis antitanque Milan que receberão da Alemanha. Eles só têm RPGs e não conseguem deter os tanques que o EI roubou do Exército iraquiano em Mossul.

Muitos acham que os ataques aéreos da coalizão e o envio de mais armas podem virar o jogo. A vitória dos curdos em Sinjar, em dezembro, seria uma amostra.

O general Qasab não concorda. "Os curdos estão sacrificando seu sangue, estão combatendo os terroristas em nome do mundo; se os EUA não mandarem tropas, não vai adiantar", disse.

Ahmad Khader, de 20 anos, discorda. Refugiado da minoria yazidi, ele não vê seus pais desde agosto. Acredita que estejam presos em Tal Afar, perto de Mossul. "Se os americanos invadirem, o Daesh [como é chamado o EI, na sigla em árabe] vai matar todos os presos. Tenho certeza, eles não têm nenhum limite."

Fonte: Folha de São Paulo

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