John Calvin, 24, nasceu na cidade palestina de Nablus em uma família de líderes do Hamas. Gay e cristão convertido, enfrentou desde jovem a autoridade de seus pais. Em
2010, fugiu para o Canadá, onde adotou o nome do teólogo cristão João Calvino. Hoje, ele luta para não ser deportado –o que, segundo ele, significaria a sua morte.
Venho de uma família influente em Nablus (Cisjordânia). Meu avô, Said Bilal, foi um dos fundadores da Irmandade Muçulmana na Palestina e na Jordânia. Cresci chamando Abd al-Fattah Dukhan, um dos fundadores do Hamas, de "avô".
Todos os meus tios são parte da liderança do Hamas. Dois deles estão na prisão, sentenciados a mais de uma vida detidos. Meu pai não esteve tão envolvido quanto eles no terrorismo.
Crescer foi horrível. Minha família sempre tinha alguém na cadeia, fazendo coisas ruins. Não temos uma refeição de família com todos em liberdade desde 1992. Soldados entravam e saíam o tempo todo das nossas casas.
Havia uma vantagem, que era ser tratado de maneira especial devido ao sobrenome do meu avô. Sou o primogênito da família, e havia grandes expectativas sobre mim.
Estudei doutrina islâmica e acumulei bastante conhecimento sobre o Alcorão, o livro sagrado do islã. Mas, aos 14 anos, desenvolvi meu próprio sentido de lógica, e as coisas pareciam contraditórias. Questionei minha família e, aos 16, parei de ser muçulmano. Vivia num limbo.
Foi uma grande decepção para a minha família. Briguei com o meu pai por isso, em 2006, e fugi para Israel, onde ele não poderia me encontrar.
Eu não tinha permissão para cruzar a fronteira. Fiquei uma semana em Tel Aviv, nas ruas, até me pegarem.
Como já tinham me detido três vezes, me mantiveram por alguns meses, mesmo sendo menor de idade.
Fiquei alguns meses detido em uma prisão especial. Havia um outro jovem de Nablus, e ele me estuprou.
AJUDA
A coisa que me surpreendeu foi como fui tratado pelos funcionários israelenses após ser estuprado. Parecia que todo mundo se dedicava a me ajudar. Contrataram um psiquiatra, pago pelo contribuinte israelense. Eles mostraram compaixão.
"Judeus dedicam a vida toda a destruir muçulmanos", me ensinaram. Eu vi que isso não era verdade.
Em Nablus, ninguém me ajudava. Eu não tinha amigos. Os funcionários do serviço social de Israel me ligavam discretamente.
Tentaram falar com minha mãe sobre o estupro, mas ela não quis ouvi-los. Preferiu fingir que não sabia falar inglês com eles.
Me converti ao cristianismo em 2010. Eu já não me considerava muçulmano desde os 16 anos. Li a Bíblia e fez mais sentido do que tudo o que eu tinha conhecido durante toda a minha vida.
Minha mãe me ouviu ao telefone pedindo a um padre para ser batizado. Meu pai brigou comigo. Foi a primeira vez em que ele tentou me matar. Ele tentou me esfaquear. Fugi e passei um tempo na igreja.
Fui detido por apostasia [quando alguém renuncia a uma religião] –em Nablus, eles chamaram isso de "perturbar a ordem", em termos oficiais.
Quando fui solto, minha mãe me disse que meu pai planejava me matar. Ela pediu para eu sair do país. Tive duas horas para fugir.
Graças a Deus, não tive problemas na fronteira, apesar de meu nome estar numa lista de pessoas procuradas. Havia um erro de digitação no passaporte.
REFÚGIO
Era 2010. Fui à Jordânia e, depois, recebi uma bolsa de estudos no Canadá. Pedi asilo, mas o governo canadense diz que não posso entrar com o pedido, porque fui membro de uma organização terrorista [o Hamas].
Eu disse, por outro lado, que meu envolvimento com a minha família não pode ser considerado como participar de um grupo terrorista.
Agora no Ano-Novo, me avisaram que tenho até 30 dias para pedir a revisão dessa decisão.
Um amigo começou uma petição on-line e uma arrecadação de fundos para pagar os custos legais e advogado. Não quero ir para outro lugar. O Canadá é o meu lar.
Ser deportado não é uma opção. Isso não pode acontecer. Mas estou otimista. O melhor cenário é conseguir um segundo julgamento. Voltar a Nablus significaria a morte, para mim, por apostasia e porque eu sou gay.
Eu sempre soube que era homossexual, mas não aceitava. Tinha necessidades e interações sexuais, por volta dos 15 anos, mas não tinha namorados. Só comecei a aceitar em 2012, no Canadá.
Não é possível ser gay em Nablus. Isso não é nem discutido. Só usamos essa palavra em xingamentos.
Quando contei à minha mãe, por telefone, ela me disse: "Eu não esperava que você pudesse me dar um desgosto pior do que ter se convertido. Há alguma coisa de ruim que você não é?"
Fonte: Folha de São Paulo
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