A polícia fazia uma operação nesta terça-feira (14) para desarticular uma quadrilha que realizava abortos no Rio de Janeiro. Ao todo,
são 75 mandados de prisão e 118 mandados de busca e apreensão contra integrantes da organização apontada como a principal responsável pela prática de abortos no estado. Segundo a Corregedoria da Polícia Civil no Rio de Janeiro, há registros de que a quadrilha desmantelada nesta terça-feira (14) realizava abortos em meninas de 13 anos de idade. Até 11h40, 55 pessoas já tinham sido presas, em vários pontos do estado e uma no interior de São Paulo.
Entre os presos na operação Herodes está o médico Aloísio Soares Guimarães, considerado pela polícia como um dos chefes da quadrilha. Ele, que é morador do Leblon, faria abortos desde 1972 em uma clínica clandestina em Copacabana. Também foram presos três médicos, quatro policiais civis, dois policiais militares –- entre eles um major – e um bombeiro. Há também apreensão de material, como medicamentos e documentos.
De acordo com o delegado da corregedoria, Felipe Bittencourt do Vale, a demanda era muito maior do que a oferta. "Em determinadas clínicas, o médico chegava a se recusar a atender mais de 10 gestantes por dia", afirmou.
Outro médico foi preso na cidade de Cruzeiro, no interior de São Paulo. O ginecologista foi detido em casa, no bairro Retiro da Mantiqueira.
Na ação, a polícia apreendeu pelo menos R$ 532 mil, grande parte em dólares. O dinheiro foi encontrado na casa do médico Aloísio Soares Guimarães (a maior parte) e do inspetor da Polícia Civil Francisco de Paula da Silva.
A investigação, que durou 15 meses, é a maior já realizada para combater esse tipo de prática criminosa no Brasil, em um inquérito policial com 56 volumes e 14.108 páginas. O levantamento mostrou que duas mil mulheres teriam se submetido a alguma intervenção em clínicas clandestinas e 80 delas já foram ouvidas pela polícia.
Durante a apuração, a Corregedoria Interna da Polícia Civil do Rio de Janeiro (Coinpol) constatou que a organização criminosa era dividida em sete núcleos - Campo Grande, Copacabana, Botafogo, Bonsucesso, Rocha, Tijuca, Guadalupe - com área de atuação na capital e na Região Metropolitana.
De acordo com as investigações, o público alvo da quadrilha eram mulheres, inclusive menores de idade, nas mais variadas etapas de gestação, até o sétimo mês de gravidez. Os valores cobrados pelo grupo por procedimento abortivo é de até R$ 7.500. Por mês, cada núcleo chegava a lucrar até R$ 300 mil.
Com base em documentos apreendidos pela Coinpol em uma clínica em Bonsucesso, no Subúrbio do Rio, foi possível identificar cerca de dois mil procedimentos realizados, com receita provável acumulada de R$ 2.771.150.
A organização criminosa, além de atender gestantes do Rio de Janeiro, prestava serviços para mulheres grávidas de outros estados, atendendo sempre em locais sem quaisquer condições de higiene e salubridade, expondo a risco a integridade física e a saúde das pacientes.
A Operação Herodes conta com a participação de 70 delegados e 430 agentes da Polícia Civil, com o uso de 150 viaturas e apoio da Corregedoria Geral Unificada (CGU), da Corregedoria Interna da Polícia Militar e do Exército Brasileiro. Havia equipes de policiais civis também em São Paulo e Espírito Santo para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão.
'Marco'
Segundo o chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Fernando Veloso, a operação representa um marco na história desse tipo de crime. "A história dessas pessoas demonstra que eles já vêm há muitos anos numa história de crimes sem punição. A legislação é muito benevolente com esse tipo de crime", afirmou Veloso, destacando que até hoje essas pessoas eram presas apenas em flagrante e depois acabavam sendo soltas por alguma medida cautelar. Na ação desta terça a polícia visa cumprir mandados de prisão preventiva contra os 75 indiciados.
Para fugir da ação policial, a quadrilha chegou a usar o esquema de clínica itinerante. "Usavam, inclusive, a residência de seus integrantes para burlar a polícia. Há registros também de membros da clínica de Campo Grande atuando em Xerém, em Duque de Caxias", afirmou o delegado Felipe Bitencourt.
De acordo com a polícia, entre os médicos presos na operação desta terça há casos como o do médico Aloísio Soares Guimarães, que teve a primeira anotação criminal pelo crime de aborto em 1972, e o do médico Bruno Gomes da Silva, que teve a primeira anotação em 1977. Ambos continuavam cometendo o crime de prática abortiva até hoje. Além de 180 mil dólares apreendidos na casa do médico, também foram encontrados documentos da abertura de uma conta na Suíça e um extrato de 5 milhões, que a polícia está apurando se na moeda real ou dólar.
Na casa de Aloísio também foram encontrados dois aparelhos de sucção utilizados para realizar abortos. "Os médicos que estão sendo presos hoje são açougueiros humanos. Eles matam como se estivessem matando bezerros. Essa é a visão dessas pessoas", criticou o delegado Glaudiston Galeno, ressaltando que apenas a médica Ana Maria G. Barbosa, presa na manhã desta terça, já havia sido denunciada em 2001 pela prática de 6.352 abortos.
Crimes além do aborto
Os 75 indiciados respondem pela prática de 37 abortos, mas ao longo dos 15 meses de investigação também forma apurados diversos crimes que foram imputados diversos deles de formas variadas, são eles: corrupção passiva, prevaricação, exercício ilegal da medicina, associação para o tráfico de drogas, corrupção ativa e associação criminosa armada.
Entre os agentes públicos presos na ação estão o major da Polícia Militar Paulo Roberto Nigri, e o inspetor da Polícia Civil Alexandre Vieira de Lima, que dariam proteção ao esquema da clínica de abortos de Copacabana, uma das que possuía maior faturamento.
Ainda de acordo com a Corregedoria, a sensação de impunidade e a alta lucratividade motivavam médicos indiciados. "Essas apreensões são só o começo. Todos eles moravam na Zona Sul e na Barra, tinham carros como Mercedes Bens, Audi e Toyota Corola e moravam em apartamentos de luxo", afirmou Galeno.
Beltrame: 'Nossa função é cortar na própria carne'
Para o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, a polícia do Rio deu um passo a frente no combate a esse tipo de crime. "A polícia do Rio de Janeiro da um exemplo para todo o Brasil. Esses não é um problema aqui do Rio de Janeiro, é um problema recorrente em varios lugares, mas o Rio de Janeiro na dimensão desse trabalho arranca na frente", disse Beltrame.
Sobre a atuação de policiais civis e militares na quadrilha, Beltrame voltou a garantir que qualquer policial que cometa crimes será investigado e punido. "Não escolhemos trabalho. Se for policial civil ou militar a gente tem que fazer esse trabalho. É função nossa cortar a própria carne. Eu acho que a polícia ela só ganha com isso. Mostra para a sociedade que ela busca a autoria em quem tiver praticando esse tipo de ato", garantiu o secretário que não descarta a possibilidade de expulsão dos agentes, mas lembrou que é preciso dar a esses policiais a chance da ampla defesa, como determina a constituição.
Casos recentes
Dois casos recentes de abortos chamaram a atenção da sociedade. Jandira Magdalena dos Santos, de 27 anos, morreu durante o procedimento de aborto. O corpo foi encontrado dentro de um veículo queimado na Zona Oeste da cidade. Depois de mais de um mês de investigações, nove pessoas foram indiciadas pelos crimes de homicídio qualificado, aborto, ocultação de cadáver e formação de quadrilha.
Elizângela Barbosa, de 32 anos, também morreu depois de ser submetida a um aborto em Niterói, Região Metropolitana do Rio. A mulher, que tinha três filhos, estava grávida de cinco meses e decidiu não ter o quarto filho. Na operação, um tubo de plástico foi deixado dentro do útero, fato que foi comprovado pelos legistas. Na delegacia, o marido dela disse que deixou a esposa na periferia de São Gonçalo, onde ela se encontrou com um homem que a levaria à clínica de aborto. Na bolsa, a vítima levava R$ 2,8 mil para pagar pelo procedimento.
Fonte: G1
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