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sábado, setembro 13, 2014

Patrimônio da Humanidade no Piauí sofre com vândalos e falta de dinheiro

Imagem de capivara encontrada na Toca do Boqueirão foi escolhida para representar o parque no Piauí (Foto: Pedro Santiago/G1)O parque com mais sítios pré-históricos das Américas corre risco de ficar abandonado por falta de recursos. Sem fonte fixa de renda, o Parque Nacional da Serra da
Capivara, em São Raimundo Nonato (PI), depende de repasses eventuais de governos, além de parcerias e doações. E o dinheiro recebido não tem sido suficiente para cobrir o custo anual de R$ 3,6 milhões. No ano passado, faltou cerca de R$ 1 milhão para fechar as contas.
Em 2003, o Parque tinha 270 funcionários e hoje são menos de 100. Apenas neste ano, 33 pessoas foram demitidas, e a manutenção e segurança da área ficaram ainda mais comprometidas. Incêndio e depredação são algumas das ameaças para os 1.223 sítios com arte rupestre – as pinturas que foram feitas em rochas e paredes de cavernas há milhares de anos. É a maior concentração do tipo no mundo.
“Sem dinheiro, não poderemos manter as guaritas que existem não apenas para receber visitantes, mas para vigiar possíveis focos de incêndios, presença de caçadores e ação de animais. A situação do parque hoje está praticamente insustentável”, diz a arqueóloga Niéde Guidon, de 80 anos, sendo 40 deles dedicados às escavações e à preservação da Serra da Capivara. O total de guaritas passou de 28, em 2003, para apenas 12.
“Já vimos casos em que pessoas faziam tiro ao alvo com as pinturas rupestres. Além de deixarem resquícios que podem virar incêndios. Quando isso acontece, é imensurável a perda para o nosso patrimônio”, relata.

A Pedra Furada na Serra da Capivara é um dos pontos mais visitados do parque (Foto: Pedro Santiago/G1)

Segundo Niéde, o parque tinha equipes para fazer a conservação das pinturas e até para impedir um turista de entrar em sítios fechados para visitação. “Hoje temos apenas uma equipe para 129 mil hectares." A arqueóloga é presidente da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), entidade sem fins lucrativos criada em 1986 que administra a segurança, manutenção e pesquisa na área do parque, em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão vinculado ao Ministério do Ambiente.
Com a crise financeira, apenas a pesquisa científica continua funcionando. No local, todos os anos são descobertos novos sítios arqueológicos e pinturas rupestres. O parque foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 1991.
O trabalho de Niéde Guidon, feito desde a década de 1970, contesta a teoria dominante de que o homem moderno teria chegado à América há 12 mil anos apenas via estreito de Bering em direção ao Alasca, atualmente território dos Estados Unidos. Pesquisadores de uma expedição francesa, coordenados por Niéde, acharam no Piauí vestígios de uma fogueira feita há mais de 50 mil anos. Os arqueólogos também encontraram representações de arte rupestre que têm, aproximadamente, 29 mil anos, além de ossos com 12 mil anos.

Arqueólogos trabalham em laboratório na escavação de uma criança enterrada há cerca de 3.500 anos no Piauí (Foto: Pedro Santiago/G1)

Situação difícil
Rosa Trakalo, responsável pela gestão dos convênios e recursos da Fumdham, conta que no início do ano foram demitidos 50 funcionários, mas que 17 foram recontratados recentemente. "Com essa falta de recursos, passamos quatro meses pagando o salário do mês e dando aviso prévio. Quando aparece um dinheiro, pagamos outro mês e damos novo aviso. É uma situação muito desagradável e injusta com nossos funcionários. Eles são otimistas, mas ficam apreensivos", afirma. “Estamos sobrevivendo do jeito que conseguimos.”

Arqueóloga e presidente da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), Niéde Guidon (Foto: Pedro Santiago/G1)Arqueóloga e presidente da Fumdham, Niéde
Guidon (Foto: Pedro Santiago/G1)
Niéde Guidon diz que chegou a fazer um empréstimo pessoal de R$ 100 mil, no seu nome, para poder honrar alguns compromissos já assumidos.
A fundação recebe recursos de forma irregular do ICMBio e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), afirma Rosa Trakalo. “Recebemos, em junho de 2012, R$ 2,2 milhões para serem usados em dois anos, o que dava menos R$ 100 mil por mês. Somente nossa folha de pagamento, mais os encargos sociais, dá R$ 140 mil por mês.”
Ajuda de órgãos públicos
Em 2013, a presidente da Fumdham foi à Brasília conversar com a ministra de Cultura Marta Suplicy sobre a liberação de verbas para a manutenção da Serra da Capivara. Também pediu apoio ao ex-governador do Piauí, Wilson Martins.
Segundo Rosa Trakalo, para alívio do Fundham, parte desses recursos – R$ 500 mil – já chegou.
Ela diz que aguarda ainda R$ 500 mil do governo do Estado e o repasse de R$ 500 mil do Iphan, conquistado após o encontro de Niéde Guidon com a ministra Marta Suplicy. Ele já foi aprovado pelo Fundo Nacional de Cultura por meio de um termo de parceria com a Fumdham, para a manutenção de 50 sítios.

Rosa Trakalo, responsável pela gestão dos convênios e recursos da Fumdham no Piauí (Foto: Pedro Santiago/G1)Rosa Trakalo, gestora dos convênios e recursos
da Fumdham (Foto: Pedro Santiago/G1)
De acordo com o Iphan, os recursos estão empenhados e aguardam trâmites para liberação, dentro da previsão orçamentária para 2014. Mesmo assim, ainda não há data para que o dinheiro chegue ao destino. "É assim todos os anos, cheio de promessas, e [estamos] vivendo um inferno", diz Niéde Guidon.
Em nota, o ICMBio diz que, em 2013, aplicou R$ 1,087 milhão em manutenção e gestão da Serra da Capivara, envolvendo custos com vigilância ostensiva em 16 postos totalizando o investimento de R$ 908 mil ao ano. Segundo o instituto, são pagos os salários de parte dos funcionários da Serra da Capivara, que somam R$ 465 mil.
O ICMBio diz ainda que tem convicção da importância do parque e trabalha em buscar alternativas para assegurar a sustentabilidade das ações de gestão e proteção.
Lei Rouanet
Para manter o parque como está, a Fumdham tentou adicionar verbas via Lei Rouanet, a Lei Federal de Incentivo à Cultura, aos recursos oficiais recebidos do ICMBio e Iphan. Esse mecanismo permite que empresas e cidadãos apliquem uma parte do imposto de renda devido em ações culturais. Mas, em 2013 e 2014, diferente de outros anos, a fundação não conseguiu nada por esse caminho.
A Petrobras, a empresa que mais contribuiu em anos anteriores, não destinou nada via Lei Rouanet, mas deve fazer uma doação de R$ 1,2 milhão em 2014.

Pinturas rupestres na caverna da Serra da Capivara remonstam cenas de caça dos mais antigos de habitantes (Foto: Pedro Santiago/G1)

“As contribuições oscilam mesmo. Já tivemos apoio da Caixa Econômica via Lei Rouanet, algo limitado, mas veio. Esse apoio nem de longe foi a fortuna que ela repassou para os clubes de futebol. Sabemos das dificuldades atuais da Petrobras e somos agradecidos pelo que enviaram”, conta Rosa Trakalo, gestora que trabalha no parque há 21 anos.
Ela diz que a justificativa para a dificuldade em captar recursos para o Parque Nacional Serra da Capivara é sempre a mesma: a falta de visibilidade do local. “Todos são unânimes em reconhecer nosso trabalho, sabem que investimos corretamente o dinheiro, mas dizem que ninguém vai ver essa ação, porque as empresas fazem esse tipo de contribuição como forma de propaganda."
Para a gestora, quando o Aeroporto de São Raimundo Nonato estiver pronto, irão aparecer mais empresas interessadas em ajudar, mas o parque já poderá se sustentar com o aumento do turismo na região.

Fonte: G1

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