Centro das atenções neste ano eleitoral, os partidos políticos e o Congresso Nacional são as instituições mais mal avaliadas do
Brasil, segundo pesquisa divulgada em junho pelo Datafolha. Embora seja difícil encontrar um cidadão disposto a elogiar um político, é tradição no País – e em toda a América Latina – santifica-lo depois que ele morre.
As milhares de pessoas que se aglomeraram em frente ao caixão de Eduardo Campos em frente à sede do governo de Pernambuco, em Recife, há uma semana, não continham as lágrimas. Vestidos com as cores da bandeira do Brasil ou com camisetas com o rosto do ex-governador, militantes pernambucanos se confundiam com peregrinos ao empunhar a bandeira do PSB em uma mão e o rosário na outra.
Desde a madrugada, muitos eleitores justificavam o choro, as orações e os cânticos religiosos ao afirmar que era como velar um membro da própria família. “Tomei um choque quando soube de sua morte”, lamentava na ocasião a aposentada Elisabeth Sousa, de 65 anos. “É como se ele fosse um parente meu.”
Apesar de a comoção ter sido maior em Pernambuco, Eduardo Campos passou a ser tratado como um político quase sem defeitos em todo o Brasil, que parou para assistir e a ler sobre os detalhes do velório, enterro e, principalmente, o drama da família, composta por mulher e cinco filhos.
Professor de filosofia política da Unicamp, Roberto Romano acredita que o Brasil e a América Latina ainda estão na cultura barroca, absolutista quando se trata de lidar com a morte. “A exploração desse aspecto macabro é muito comum no Brasil. É uma tradição sul-americana. Basta se recordar da mobilização com as mortes de Getúlio Vargas, Simon Bolívar, Hugo Chávez, Evita Perón”, enumera. “A cobertura televisiva da morte de Tancredo Neves foi um espetáculo horrendo.”
O professor cita o prêmio Nobel Elias Canetti para apontar outras razões para a comoção provocada por um político que acaba de perder a vida. Ele diz que “um político poderoso é um sobrevivente” porque encarna a forma mais acabada de poder e, por isso, cada político tem de matar simbólica, moral e até fisicamente seu adversário, sempre candidato a poderoso.
Enquanto o concorrente está vivo, ele é uma ameaça combatida pelo adversário e por seus seguidores, mas tudo muda com a morte. “Ele abre espaço para o outro e deixa de ser uma ameaça, com potencial de se transformar em aliado se seus adeptos puderem ser cooptados.” A troca de beijos de Dilma e Aécio no velório de Campos é citada como exemplo.
Psicóloga especialista em luto, Ana Cristina Fraia afirma que, quando uma pessoa famosa morre, as pessoas identificadas com ela querem acreditar que o luto é dela também porque, assim, sua vida parece mais importante do que realmente é. “É a sensação de que ‘nasceu no meu Estado, estamos ligados. Se ele é importante, eu também sou’”, explica ela. “Mas é preciso cuidado para que essa identificação não se torne uma coisa doentia. No fundo, é apenas o preenchimento de um vazio existencial.”
Família Campos
Há 11 anos coordenadora do Amigos Solidários na Dor do Luto, em Curitiba (PR), Zelinda de Bona lamenta a situação vivida pela família de Campos, que precisou assumir compromissos públicos e políticos em vez de viver o luto. “A ficha começa a cair agora, depois do enterro. Durante a comoção nacional, a família ainda estava em estado de choque porque, rodeada por pessoas, não há tempo para vivenciar um fato tão violento e traumatizante.”
Do que pôde acompanhar pela mídia, a especialista viu a força de Renata Campos, a viúva. “Ela tem sido uma mãe inteira. Não ficou chorando, reclamando da vida. Ela está mostrando para os filhos que eles podem contar com ela.” Ana Cristina calcula em um ano o período de qualquer luto em parentesco de primeiro grau. “Alguns se recuperam antes, outros demoram mais.”
Fonte: IG
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