“Meu Pedacinho de Chão” – a novela das seis da Globo que terminou nesta sexta-feira, 01/08 – entra para a história de nossa
Teledramaturgia por sua proposta estética inovadora. O diretor, Luiz Fernando Carvalho, já havia executado um trabalho semelhante na minissérie “Hoje É Dia de Maria”, em 2005. Mas nunca a Globo (ou nenhuma outra emissora) ousou apostar nesta novidade em uma telenovela.
Para recontar essa antiga história de Benedito Ruy Barbosa (a versão original é de 1971-1972), o diretor usou e abusou do mais fartos recursos plásticos, cênicos e tecnológicos, com muito lirismo e referências nas mais variadas fontes que remetem ao imaginário popular, do universo infantil ao caipira, com pinceladas no mágico e no onírico. Um ponto a ressaltar: a novela não foi pensada exclusivamente para o público infantil.
Praticamente uma unanimidade, as qualidades artísticas de “Meu Pedacinho de Chão” são inquestionáveis. Os cenários, os figurinos, a direção de arte, as ambientações, os recursos de cena, os animais de brinquedo, o colorido da fotografia, tudo contribuiu para o tom de fábula que a produção propunha. Poderia se imaginar que tamanha minuciosidade estética se diluiria em uma produção extensa. Mas não: mesmo com tantos detalhes, a trama foi curta para os padrões atuais do horário – menos de 100 capítulos.
A direção de atores também foi um grande diferencial. O elenco enxuto – condizente com a duração da novela – foi escolhido a dedo, com atores em grandes momentos, cada qual dentro do universo, caracterização e proposta de seu personagem. Foi bom ver Antônio Fagundes em um papel menor dentro da trama (o vendeiro Giácomo), mas diferente de tudo que ele já fez na televisão. Diferentes também foram os tipos criados por/para Rodrigo Lombardi e Juliana Paes – duas gratas surpresas, pelo despojamento com o qual viveram Pedro Falcão e Madame Catarina.
Destacar o elenco de “Meu Pedacinho de Chão” é também salientar o amadurecimento profissional de Johnny Massaro e Paula Barbosa – irrepreensíveis como Ferdinando e Gina. Elogiar Osmar Prado, Irandhir Santos, Bruna Linzmeyer, Flávio Bauraqui, Emiliano Queiroz e Ricardo Blat nunca é demais. “Meu Pedacinho de Chão” também mostrou o talento de alguns novatos (como Bruno Fagundes e Dani Ornelas), e outros atores mais experientes que pouco ou nunca foram vistos na TV (como Inês Peixoto e Teuda Bara). E claro, o elenco infantil, tendo à frente a dupla Tomás Sampaio (o Lepe) e Geytsa Garcia (a Pituca).
Com toda a liberdade criativa e o foco no visual, a história só não ficou devendo porque os recursos cênicos ajudaram a contá-la. Os personagens eram muito ricos e a produção estética foi acompanhando as transformações pelas quais eles passavam – como nas mudanças de figurinos à medida que iam mudando de personalidade, ou na chegada do inverno, que, na trama, representou o sofrimento e afastamento de Zelão (Irandhir Santos).
O roteiro pulou de personagem em personagem exaltando, momentaneamente, alguma trama, sem se preocupar muito com uma linearidade narrativa. Afora isso, o texto emotivo de Benedito Ruy Barbosa foi percebido em vários momentos, em ótimas interpretações do elenco; os casais românticos eram bons e geraram torcida; e a abordagem ao analfabetismo, que na primeira versão soou apenas como merchandising social, aqui também serviu como mais um elemento a ilustrar a transformação do bronco herói Zelão.
Apesar de tantas qualidades, “Meu Pedacinho de Chão'' não foi campeã de audiência. É louvável que a Globo, sabendo do risco, tenha aprovado a proposta da novela. Mostra que a emissora está aberta ao novo, mesmo enfrentando tempos em que a audiência medida pelo Ibope vai diminuindo mais e mais. Esta abertura da emissora também pode ser percebida com a difícil, mas ótima, “O Rebu” (a trama das onze da noite). É sabido que produções que passam mais tarde têm menos chances de estourar na audiência e, de tempos em tempos, a Globo exibe projetos que lhe dão mais prestígio do que números. Parece que agora a emissora está expandindo esse raciocínio também para outros horários, mais visados. Oxalá, daqui algum tempo, números de Ibope não renderem mais notícia.
Fonte: Uol
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