A trama é digna de um filme de ação. Os bastidores da Operação Jules Rimet, que desarticulou o milionário esquema ilegal de venda
de ingressos operado pelo britânico Raymond Whelan e pelo franco-argelino Mohamadou Lamine Fofana, mostram que a Polícia Civil infiltrou agentes mulheres, armadas apenas com microcâmeras, em festas frequentadas por personalidades do mundo da bola para chegar aos articuladores da quadrilha, que teria movimentado R$ 200 milhões desde o início da Copa do Mundo. E foi uma policial infiltrada que conseguiu gravar as imagens de Mohamadou Fofana entregando garrafas de uísque em formato de chuteiras a ex-jogadores da seleção durante almoço num restaurante na Lagoa, na Zona Sul do Rio. Entre os que receberam o mimo estavam Dunga, Jairzinho e Carlos Alberto Torres.
Durante a investigação iniciada em fevereiro passado, os policiais também simularam o recebimento de propina de três cambistas flagrados negociando ingressos desviados pelo esquema montado por Fofana. A estratégia, conhecida no jargão policial como ação controlada, parece extraída de seriados policiais como “CSI”. Com o conhecimento prévio de representantes do Ministério Público e do Juizado Especial do Torcedor, os policiais filmaram e gravaram, com o auxílio de câmeras e microfones escondidos numa sala da delegacia, o momento em que os cambistas ofereciam dinheiro e ingressos como suborno à equipe.
Entre os flagrados figuram Sérgio Antônio de Lima, Alexandre Marino Vieira e Marcelo Pavão da Costa Carvalho. Sem saber que estavam sendo filmados, eles foram liberados e passaram a ter os telefones monitorados com autorização da Justiça. Foi dessa maneira que a equipe do delegado Fábio Barucke, da 18ª DP (Praça da Bandeira), montou o quebra-cabeças chegando aos nomes de Antônio Henrique de Paula Jorge e, posteriormente, ao do argelino naturalizado francês Mohamoud Fofana.
Antônio Henrique já tinha um histórico de passagens pela polícia por suspeita de atuar como cambista em grandes eventos, inclusive nos desfiles do Grupo Especial das Escolas de Samba do Rio. O monitoramento revelou que os quatro suspeitos estavam abaixo de Fofana no organograma da quadrilha. Faltava descobrir quem era o fornecedor de Fofana. O “cara da Fifa”, como o franco-argelino costumava se referir a Raymond Whelan nas conversas telefônicas interceptadas. Para isso, conta o chefe da Polícia Civil, delegado Fernando Veloso, o Departamento Geral de Polícia da Capital designou policiais que falam inglês e francês para apoiar as investigações, fazendo a tradução das escutas telefônicas. O que revelou a dimensão do esquema diante das cifras citadas.
— Foi uma surpresa descobrir a participação do executivo britânico que atuava diretamente com integrantes da cúpula da Fifa. Ninguém esperava chegar tão longe. Falam tanto da capacidade das polícias internacionais, mas foi a Polícia Civil do Rio que desarticulou o esquema ilegal que já estaria em operação há quatro Copas. Foi um golaço. Principalmente por ter revelado a fragilidade do sistema adotado pela Fifa para a venda e distribuição de ingressos — acredita Veloso.
O chefe da Polícia Civil admite que, logo após a Operação Jules Rimet ter sido deflagrada, no dia 1º de julho, quando foram presos Mohamadou Fofana e outros 11 integrantes da quadrilha, chegaram a questionar a competência de uma delegacia distrital (de bairro) para levar à frente uma investigação tão complexa:
— O que só aumenta o mérito da equipe do Barucke, que à frente de uma delegacia de bairro, que tem uma rotina diária de balcão, atendendo as demandas da região, conseguiu ampliar a investigação. Para isso, contudo, ele vem recebendo apoio de outras unidades. Agora, por exemplo, agentes do Laboratório de Lavagem de Dinheiro já estão atuando numa segunda fase da investigação, que tem o objetivo de rastrear a movimentação financeira da quadrilha — disse.
Fernando Veloso lamentou o fato de o britânico Raymond Whelan ter sido beneficiado com um habeas corpus 12 horas após ser preso. A medida acabou facilitando a fuga do estrangeiro do Copacabana Palace, com o auxílio de seu advogado. O inglês, no entanto, acabou se entregando à Justiça na segunda-feira. Ele teve a prisão preventiva decretada na tarde da última quinta-feira, após o Juizado do Torcedor ter recebido a denúncia do Ministério Público contra Whelan e outros dez suspeitos de integrar a quadrilha, e até que apresente o diploma informando que possui nível superior, ele está preso em uma carceragem comum no presídio Bandeira Stampa, Bangu 10, no Complexo de Gericinó.
Fernando Veloso acredita que a segunda fase da investigação conseguirá chegar à movimentação financeira do bando e até mesmo a outros envolvidos ligados à Fifa.
— As somas movimentadas por essa quadrilha foram levadas para algum lugar, alguma conta. Estou certo de que vamos descobrir o caminho desse dinheiro e, assim, vamos descobrir outros envolvidos nesse esquema — acredita o chefe da Polícia Civil.
A segunda etapa das investigações também vai tentar identificar de onde foram desviados ingressos de setores populares que eram negociados pelo bando de Mohamadou, que só negociava pacotes VIP para camarotes e setor 1, considerados os mais caros. A venda dos convites para outros setores ficava por conta dos integrantes da quadrilha subordinados diretamente a Antônio Henrique. Além de ONGs, há suspeita de que ingressos destinados pela Fifa a indígenas tenham sido desviados e colocados à venda. A comprovação, contudo, depende ainda da ampliação da investigação.
Reprodução Cidade News Itaú via O Globo
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