Contar com um jogador brasileiro é um selo de qualidade, agrega valor e virou quase um talismã para times dos quatro cantos do mundo. Mas
será que essa imagem mística internacional resiste ao vexame do 7 a 1 em casa? Provavelmente. O efeito do jejum de 16 anos (que serão completados em 2018) em Copas do Mundo e a atual geração com apenas um jogador de exceção (Neymar), se for sentido, vai ser a longo prazo. Afinal, o crescimento da exportação futebolística é contínuo há mais de 20 anos.
Aumentou tanto que superou itens típicos que o Brasil vende ao exterior. Só como comparação: as transferências de Neymar, Paulinho e Bernard renderam mais que toda a exportação de castanha de caju do Brasil no mesmo ano de 2013 em que esses atletas deixaram o futebol nacional. O caju totalizou US$ 134 milhões para os produtores rurais e a indústria alimentícia, enquanto o trio da seleção somou US$ 139 milhões para seus bolsos (e de seus agentes e clubes).
Outra comparação curiosa mostra o papel dos jogadores nessa balança comercial. Só o dinheiro não declarado na ida de Neymar para o Barcelona (transação supostamente ilegal que custou a queda do então presidente do time catalão, Sandro Rosell) superou de longe o total de exportações de castanha do pará, outro produto nativo do Brasil. Placar desse jogo: Neymar levou US$ 23 milhões por fora, enquanto a noz amazônica ficou atrás, com US$ 21 milhões.
Claro que nessas contas há a hipervalorização dos jogadores e o descaso com a produção de frutos nativos do Brasil. Contudo, engana-se quem pensa que a indústria entorno do caju esteja em decadência. Seu crescimento, contudo, nem se compara com a explosão do "futebol for export".
Segundo as estatísticas oficiais da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), o fluxo de atletas deixando o país aumentou 392% entre 1992 e 2005. No mesmo período, a cajucultura cresceu 20% sua produção média, de acordo com os produtores do setor.
"A venda de jogadores para o exterior é uma fonte de renda preciosa, e o Banco Central estima que as transferências de brasileiros geraram US$ 1 bilhão em receitas entre 1994 e 2005", afirma o jornalista Fernando Duarte em seu livro "Futebol Exportação", escrito em parceira com Claudia Silva Jacobs. A publicação foi a primeira a se aprofundar nesse fenômeno comercial e social do país.
E as transações de atletas só se avolumaram nos últimos dez anos. Em 2003, por exemplo, a CBF contabilizou 804 jogadores deixando o país. Em 2013, ou seja uma década depois, o número quase duplicou: 1.530 foram exportados.
Segundo levantamento de Amir Somoggi, consultor de marketing e gestão esportiva, o Brasil bateu o recorde de lucro em 2013, com o montante de US$ 277 milhões – a marca anterior era de US$ 186 milhões, arrecadados em 2007.
"O futebol brasileiro ainda é muito dependente da venda de atletas. Os clubes não conseguem fechar o ano no azul sem negociar suas estrelas", analisa Somoggi.
O maior comprador dessa "commodity" é a Inglaterra e seus clubes bilionários. Só no ano passado, os ingleses gastaram US$ 913 milhões em compras no exterior, muitos deles brasileiros, como Paulinho (Tottenham) e Fernandinho (Manchester City), dois queridinhos do técnico Luiz Felipe Scolari.
Mas o Brasil também vende para mercados alternativos. Um caso emblemático foi a transferência em um só ano de 30 futebolistas para o Vietnã. Justamente o Vietnã que é o maior produtor de caju do mundo, com safras anuais que são dez vezes maiores que a brasileira.
A ironia é que o caju é nativo do Brasil e foi levado pelos portugueses para a África e a Ásia. Atualmente, o Brasil é o sétimo no ranking de maiores produtores de caju, atrás de Vietnã, Índia, Nigéria, Costa do Marfim, Indonésia e Filipinas. Quando há uma quebra de safra por aqui, a indústria brasileira importa a castanha do Vietnã.
Claro que os clubes brasileiros também importam atletas, principalmente de países vizinhos com economia mais frágil, como Uruguai, Paraguai, Argentina e Colômbia. E há também um "recall" dos jogadores exilados que não se adaptaram futebol europeu ou já estão muito veteranos para a intensidade das partidas no Velho Continente.
Nos tempos do futebol-negócio, o êxodo é tão grande que até as seleções estrangeiras incorporam os brazucas. Só nesta Copa de 2014, Portugal, Espanha, Croácia e Itália se reforçaram com similares nacionais, mesmo assim foram eliminados na primeira fase.
A fuga para o exterior é tão antiga quanto o futebol profissional no Brasil. Já na década de 1930, algumas estrelas rumavam para os clubes europeus e se somavam também às seleções de lá. Após a 2ª Guerra Mundial, isso diminuiu dada a reconstrução da Europa. Mas nos anos de 1960 os times locais atraíram alguns craques brasileiros.
A diáspora atual, porém, ganhou impulso na década de 1980, quando craques consagrados como Falcão, Zico e Sócrates arrumaram suas malas. A geração seguinte, de Romário e Ronaldo, rumou para o exterior ainda como promessas e só consolidaram a carreira pelos gramados gringos.
Atualmente, muitos jogadores migram sem ter saído dos juniores ou sem passar por grandes clubes do Brasil. É o caso de Hulk e Luiz Gustavo, dois dos escolhidos de Scolari. Surgiram rotas diretas de juvenis indo direto do Maranhão para a Bélgica ou do Ceará para Portugal, que esbarravam no crime de tráfico de menores.
Duas leis foram primordiais para o incremento do trânsito de "pés-de-obras". Na Europa, a Lei Bosman ampliou para o futebol a lei de livre circulação de trabalhadores dentro do continente, o que acabou gerando a incrível cena da Internazionale de Milão campeão da scudetto de 2009/10 sem um italiano entre os titulares. No Brasil, a lei Pelé libertou o passe dos jogadores dos clubes, ampliando a possibilidade de transação internacional.
Outro fator foi a criação de ligas profissionais no Japão, EUA, China e países árabes, o que multiplicou as opções de emprego. Por seu lado, o Campeonato Brasileiro se transformou em uma vitrine para os novatos e um "retiro espiritual" para os veteranos em fim de carreira.
Mesmo no jejum atual, o Brasil ainda vive da fama de ser o único pentacampeão mundial e de ser um celeiro interminável de craques.
O Brasil só é superado no quesito exportação pela Argentina. Só para ilustrar: em 2009, migraram 1.716 argentinos, contra 1.443 brasileiros. Se os argentinos vencerem na Copa do Brasil no domingo, vão ganhar também uma bela campanha de marketing para incrementar suas vendas.
Reprodução Cidade News Itaú via Uol
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