Separados apenas por alguns muros e escadarias, os moradores de uma região periférica e de uma das áreas mais valorizadas de Natal compartilharam de uma situação em
comum: eles tiveram que deixar suas casas ou apartamentos. Esse cenário completa um mês no domingo (13). Em junho, deslizamentos de terra destruíram dezenas de casas no bairro de Mãe Luiza e causaram a interdição de dois prédios na orla da praia de Areia Preta, ambos na Zona Leste da cidade. Com o desastre, as famílias de Mãe Luiza e Areia Preta têm buscado alternativas diferentes depois de deixarem suas casas e apartamentos. Natal está em estado de calamidade pública por causa dos deslizamentos.
No bairro de Mãe Luiza, os deslizamentos fizeram 36 casas desabarem, enquanto outras 109 precisaram ser interditadas por questões de segurança. O desastre também deixou parte do bairro sem água e dependendo do abastecimento dos carros-pipa da Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern).
Já em Areia Preta, os condomínios Aldebaran e Infinity - de classe média alta - foram evacuados, mas os moradores já começaram a retornar aos prédios com a menor incidência de chuvas. No Aldebaran, 19 apartamentos foram desocupados. Já no recém-construído Infinity, apenas dois apartamentos foram evacuados.
Os entulhos, pedras e terra arrastados pela água ainda bloquearam a avenida Governador Sílvio Pedrosa, que dá acesso ao principal corredor hoteleiro da cidade, a Via Costeira. Interditada no dia 14 de junho, a avenida só foi liberada para o trânsito nesta quinta-feira (10).
Abrigos
Em um dos imóveis que desmoronou em Mãe Luiza morava a dona de casa Elizama Rocha Ferreira, de 34 anos. Ele, o marido e o filho de 1 ano estão atualmente no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) do bairro, onde 25 pessoas de oito famílias estão abrigadas. A casa ficava na rua Guanabara, onde uma cratera se abriu por causa das chuvas e originou os deslizamentos de terra.
"No dia chovia muito e senti que algo não estava bem. Saí de casa para deixar meu filho na casa da minha mãe, que fica perto. Quando voltei a casa já havia caído", lembra a dona de casa, que depois do desastre foi morar na casa da mãe, mas o imóvel também foi interditado pela Defesa Civil do Município. "Vim para o abrigo com marido, filho, pai e mãe. Estava muito ruim de viverem os cinco em uma sala pequena e eles meus pais saíram para alugar uma outra casa", diz Elizama.
Com colchões e redes, as pessoas desalojadas se viram como podem no abrigo. Para isso, têm a ajuda de voluntários do próprio bairro, que buscam organizar os alimentos e materiais recebidos. Nos corredores ficam espalhados pilhas de sapatos e roupas doados aos desalojados. "Fica à disposição de todo mundo. As pessoas chegam, procuram roupas e sapatos do tamanho certo e utilizam", explica o voluntário João Marques Melo, de 22 anos.
Para a autônoma Cristiane Pedro da Silva, de 26 anos, o mês tem sido difícil. Dividem uma sala apertada ela, o marido e três filhos, de 6, 8 e 14 anos. Moradora da rua Guanabara, Cristiane conta que o banheiro e a cozinha do imóvel desabaram nos deslizamentos. "Aqui não é a casa da gente, mas dá para levar", diz a autônoma, que espera a liberação do auxílio-aluguel prometido pela Prefeitura para pensar em como vai recomeçar a vida. O benefício de R$ 724 foi aprovado na Câmara Municipal no começo de julho com cinco emendas, mas ainda não tem data para começar a ser pago aos desalojados.
O voluntário acrescenta que nesta semana ocorreram problemas com os alimentos enviados. "Cuidamos do dia a dia e de vez em quando aparece alguém da Semtas (Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social) para ver como está. Alimentos não faltam, tem bastante coisa na dispensa, mas não há controle sobre o que vem. Temos feijão de sobra, mas faltou carne essa semana. Aproveitamos a carcaça de frango para o almoço", afirma João Marques Melo.
Os desalojados da Escola Estadual Alfredo Pegado, que abriga atualmente 16 pessoas de seis famílias, também enfrentaram problemas com alimento nesta semana. "O pessoal tem que tirar do próprio bolso. Falta também material de higiene", afirma a dona de casa Cristina Gomes Nascimento, de 35 anos.
A Semtas reconheceu a falta de carne nos abrigos e informou que a questão já está sendo solucionada. De acordo com a secretaria, os alimentos são fornecidos conforme as demandas identificadas pelo Departamento de Segurança Alimentar. A previsão é que até segunda-feira (14) os alimentos cheguem.
Além do Cras de Mãe Luiza e da Escola Estadual Alfrego Pegado, outros abrigos estão funcionando na igreja Assembleia de Deus do bairro, que abriga 13 pessoas de três famílias; no Espaço Livre, onde estão 11 pessoas de três famílias; e no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo Santos Reis, para onde foram nove pessoas de três famílias. As chuvas em Natal também deixaram desalojados na comunidade do Jacó, na Zona Leste, e nas imediações da lagoa de captação de São Conrado, na Zona Oeste.
Moradores invadem área interditada
Na rua Guanabara, uma lona cobre a área da cratera que originou o deslizamento de terra. Apesar da área estar interditada, as pessoas atravessam livremente o trecho para chegar ao outro lado da rua, como o comerciante Francisco Gomes de Souza, de 50 anos. Proprietário de um pequeno comércio no bairro, ele perdeu dois imóveis que alugava na rua Guanabara. "As casas desmoronaram. Ainda perdi material de construção e produtos do comércio que estavam guardados na garagem", afirma.
A casa onde o comerciante reside fica em uma rua próxima da área atingida e também foi interditada. Mesmo assim Francisco Gomes segue morando no imóvel. "Pediram para não voltar, mas vou fazer o quê? Já perdi muita coisa", conta. Na noite do deslizamento o morador estava descendo a escadaria para chegar na Guanabara quando sentiu a terra estremecer. "Na hora que a terra tremeu dei meia volta e quando estava abrindo a porta da minha casa olhei para trás. Vi uma casa desmoronando atrás da outra", relata.
Sobre a invasão da área interditada e das casas, o coordenador municipal de Defesa Civil, Paulo César Ferreira, informou que é da Polícia Militar a responsabilidade de fiscalizar a região. "Não dá para a Defesa Civil ficar 24 horas nos locais interditados. Não há efetivo. A PM tem de fazer essa segurança", diz.
Moradores voltam para prédios
Com 19 apartamentos evacuados com os deslizamentos aconteceram, o condomínio Aldebaran já recebe moradores nos apartamentos. O engenheiro Marino Eugênio, síndico do prédio, explica que a maioria passa no condomínio durante o dia e dorme em outros locais à noite. Os moradores buscaram casas de praia, de parentes e alugaram imóveis para ficar enquanto o problema não é resolvido. "Fico na casa do meu filho durante a semana e vou para a casa de praia no fim de semana", conta o síndico.
Embora a maioria não tenha retornado em definitivo, alguns moradores já voltaram a ocupar os apartamentos, como a administradora hospitalar e engenheira civil Michele Jerônimo, de 39 anos. "Continua sendo muito angustiante. Nunca será a mesma coisa. Meu marido não queria voltar por ainda temer as chuvas, mas aparentemente está tudo tranquilo. Uma engenheira esteve lá e não constatou problemas na estrutura, nenhuma fissura. Mesmo assim é uma sensação complicada", relata a moradora, que antes de regressar ficou hospedada na casa de praia da família no litoral Sul do Rio Grande do Norte.
Por outro lado também há moradores como a administradora hospitalar Valéria Barbalho Cavalcanti, de 56 anos, que decidiu não voltar ao condomínio por enquanto. "Alugamos um flat perto de casa, em Petrópolis (bairro da Zona Leste). Estamos sempre por perto. Só não sentimos segurança para retornar porque o período de chuva ainda não acabou", conta a administradora hospitalar.
Falta d´água
A falta de água causada pelos deslizamentos atingiu parte do bairro de Mãe Luiza. O abastecimento feito por carros-pipa da Caern motivou a instauração de um inquérito civil do Ministério Público do Rio Grande do Norte. O setor jurídico da Caern informou que não recebeu nenhuma solicitação do órgão ministerial até o momento. Em virtude do problema no fornecimento de água, a companhia suspendeu o faturamento do mês de julho - equivalente ao consumo de junho. Aproximadamente 80 casas estão sem o abastecimento regular, segundo a Caern. Entretanto, moradores afirmam que o problema é maior.
O presidente do Conselho Comunitário de Mãe Luiza e Aparecida, Nilson Venâncio, detalha que os caminhões-pipa chegam ao bairro, mas nem sempre vão a todas as regiões sem água. "O abastecimento acontece, mas não é suficiente. Não estão cobrindo tudo", afirma. Venâncio contabiliza as ruas Guanabara, Novo Mundo, São Francisco, Atalaia, Camaragibe, Jaime da Silva, São Luís, São José e a travessa Largo do Farol como as áreas afetadas.
De acordo com a Caern, é tecnicamente inviável manter o fornecimento de água na área. A companhia aguarda a finalização dos projetos da prefeitura para restabelecer os sistemas de abastecimento e esgotamento sanitário da área. Ainda segundo a Caern, em junho foi finalizada a rede provisória de esgoto em Mãe Luiza, em substituição à estrutura que foi destruída pelos deslizamentos de terra.
A rede citada coleta o esgoto do bairro até a rede da Avenida Silvio Pedrosa, de onde segue até a Estação Elevatória de Esgotos do Relógio do Sol. Também foram realizadas interligações para a rede provisória, impedindo que o esgoto corra a céu aberto. A companhia informa que também foram realizadas interligações para a rede provisória, impedindo que o esgoto corra a céu aberto.
Reprodução Cidade News Itaú via G1
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