quinta-feira, junho 19, 2014

"Fizeram meu bebê respirar gás lacrimogêneo", diz grávida sobre ação no Recife

Girlayne Nascimento, 23, grávida de seis meses, é protegida pela advogada Liana Lins durante operação de reintegração de posse do Cais José Estelita, ocupado por um grupo de 100 pessoas desde o mês passado, no Recife (PE), em 17 de junho. A ação foi  condenada pela Anistia Internacional, pelo Ministério Público de Pernambuco e pela Universidade Federal do estado (UFPE)Horas antes do início do último jogo do Brasil, na terça-feira, o que se ouviu em uma região do Recife, uma das 12 cidades-sede da Copa do Mundo, não foram fogos de artifício, mas gritos e
tiros de balas de borracha.

Com grande repercussão nas redes sociais, a ação de reintegração de posse do Cais José Estelita - ocupado por um grupo de 100 pessoas desde o mês passado - foi duramente condenada pela Anistia Internacional, pelo Ministério Público de Pernambuco e pela Universidade Federal do estado (UFPE).

Fotos e vídeos que mostram crianças correndo de tiros e grávidas intoxicadas por bombas de gás lacrimogêneo atiradas pela tropa de choque e pela cavalaria da Polícia Militar ganharam rapidamente o Facebook e o YouTube por meio das hashtags #ocupeestelita e #resisteestelita.

A campanha virtual conta com o apoio de personalidades como Ney Matogrosso, Camila Pitanga, Laerte, Leandra Leal, Gregório Duvivier, entre outros, que já se manifestaram publicamente contra os planos de um empreendimento imobiliário de construir torres residenciais e empresariais com mais de 40 andares no terreno de 10 mil hectares no centro histórico da cidade. (Entenda mais ao lado).

Acampada desde o dia 3, Girlayne Nascimento, 23, está grávida de seis meses e disse à BBC Brasil ter respirado gás lacrimogêneo.

"A gente acordou às 5h da manhã com os policiais invadindo. Fui para o lado de fora porque estou grávida, não podia levar bala", relata.

"Não adiantou, porque a fumaça se espalhou por todos os lados. Fizeram meu bebê respirar gás lacrimogêneo."

Girlayne, que diz ter ido para a ocupação por "amor à cidade e às pessoas", afirma que chegou a ser ameaçada por uma policial.

"Vi que eles estavam sendo agressivos com meninos de rua ali perto e fui intervir. Uma policial veio para cima de mim com tudo, dizendo que ia me prender e que se eu eu não estivesse grávida eu ia ver o que era bom."

Procurada pela reportagem, a Polícia Militar do Estado negou o uso de violência -- e não comentou o caso de Girlayne. Ao #SalaSocial, a corporação disse que a participação da PM foi "legítima" e um "êxito".

"A equipe fez uso de força policial necessária, motivada pela resistência dos ocupantes do imóvel, que ameaçaram os oficiais de justiça e os militares presentes na ação".

Ainda segundo a corporação, "diversos manifestantes [estavam] com os rostos cobertos por camisas e máscaras improvisadas, usando do anonimato para investidas contra os PMs".

Em comunicado oficial, a prefeitura do Recife informou "que o melhor caminho para a desocupação do terreno seria através de uma solução negociada e pacífica."

Mediador entre as demandas da ocupação e o poder público, o secretário executivo de Justiça e Direitos Humanos do estado, Paulo Roberto Xavier de Moraes, não foi encontrado.

"Ele está incomunicável porque está viajando com a família", limitou-se a informar sua equipe.

Até o fechamento desta reportagem, a secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Estado também não se pronunciou.

Cassetete

Foi a advogada Liana Lins quem retirou Girlayne do cerco policial. "Ela estava muito nervosa. Mesmo grávida, apóia o movimento e tem apoio de todos. Mas quem sofreu não foi só ela. Massacraram um monte de jovens na minha frente e não me deixaram fazer nada", afirma.

"Sou advogada da ocupação e represento quem está lá. Os policiais não tinham identificação (nas fardas) e me impediram de entrar. Por quê? Porque não tinham interesse na saída pacífica", disse à BBC Brasil Liana, que também é professora da UFPE.

Um vídeo publicado no YouTube mostra um policial batendo com cassetete em sua perna direita.

A polícia nega a falta de nomes nas fardas. Segundo a nota enviada, a equipe estava "totalmente identificada".

Os donos do terreno defenderam, também em nota, que o uso da força policial foi necessário para o cumprimento do mandado de reintegração. "Esse procedimento é inerente ao estado democrático, onde o direito de propriedade deve ser protegido", diz o texto.

O publicitário Sergio Urt, 41, participa da movimentação desde 2012 e é um dos autores de uma ação popular movida contra o empreendimento imobiliário [leia no quadro ao lado].

"Desde o leilão esta ação está sendo contestada na justiça. Tanto que o alvará de demolição de galpões (para a construção dos imóveis) foi suspenso. Mas esse tipo de brutalidade fortalece. Saímos do terreno, mas agora estamos em frente".

Desde a desocupação, um grupo de 30 pessoas (aproximadamente metade dos presentes na ocupação inicial) se abriga sob um viaduto colado ao terreno.

Anistia, Universidade e Ministério Público

O jornal inglês The Guardian repercutiu a ação policial em Recife, informando que "diversas pessoas foram feridas por balas de borracha e bombas de gás".

Entidades como Anistia Internacional, Universidade Federal de Pernambuco e Ministério Público também emitiram notas condenando a violência policial. Leia trechos abaixo:

Anistia: "Os manifestantes estavam em negociação com autoridades locais, com acompanhamento do Ministério Público, e havia o compromisso de que qualquer reintegração de posse teria um aviso prévio de 48 horas. Há denúncias de manifestantes feridos, equipamentos confiscados, destruição do acampamento e pessoas detidas sob a acusação de formação de quadrilha. A Anistia Internacional pede a investigação imediata dos abusos cometidos pela Polícia Militar e que seja retomada a negociação com os participantes da ocupação."

UFPE: "A Universidade Federal de Pernambuco, diante do uso da força policial contra os manifestantes do Cais José Estelita, expressa sua estranheza e indignação pelo ocorrido, que desrespeita frontalmente o acordo envolvendo diversas instituições, a Prefeitura do Recife e os empreendedores. Desta forma, a UFPE registra sua preocupação quanto ao futuro das negociações iniciadas, que tinham como objetivo a defesa de uma cidade melhor, mais humana e mais inclusiva".

MPF: "O mandado de reintegração de posse foi cumprido de forma arbitrária e com medidas típicas de cumprimento de ordens contra criminosos, sem conhecimento prévio do Ministério Público e dos representantes do movimento de ocupação, descumprindo todos os protocolos de execução de ordens de reintegração de posse das secretarias de Defesa Social e de Direitos Humanos, que visam à desocupação pacífica e à garantia da integridade física dos ocupantes."

Reprodução cidade News Itaú via Uol

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