Entre as esquinas da Avenida Conselheiro Aguiar, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, pairam dúvidas sobre a Copa do Mundo em Pernambuco. Algumas mulheres que recebem dinheiro em troca de sexo
ouviram falar que a polícia vai prender quem estiver nas ruas. Outras acreditam que estarão livres para faturar mais, cobrando em dólar. Garotas de outras cidades, como Tamandaré, no Litoral Sul, estão chegando de olho na “oportunidade”. A única certeza que as prostitutas entrevistadas pelo G1 têm é que adolescentes também vão entrar no circuito do turismo sexual e, para piorar, elas dizem que há clientes pedófilos. O cenário precupa instituições sociais que trabalham com esse tipo de vítima: elas reconhecem que o estado ainda atua com deficiência no combate à exploração sexual infanto-juvenil.
A assessoria da Polícia Federal (PF) confirma que já estão sendo investigados aliciadores que atuam nas redes sociais em busca de menores para atender à demanda do turismo sexual na Copa. De acordo com o assessor da PF, Giovani Santoro, os suspeitos são brasileiros e estrangeiros que trabalham juntos para clientes pedófilos. "No Recife, a incidência desse tipo de crime é baixa, em relação aos estados do Sul e Sudeste do Brasil, mas deve aumentar na Copa. Por isso, estamos trocando informações com as polícias dos países que terão suas seleções jogando na Copa para barrar a entrada desses estrangeiros", explicou.
No dia 22 de maio, uma portaria que barra a entrada no Brasil de estrangeiros condenados ou envolvidos em denúncias relacionadas à pornografia ou exploração sexual de crianças e adolescentes foi assinada. A regra será aplicada aos torcedores que vierem para o Mundial. Mais de 200 mil turistas são esperados em Pernambuco para a Copa do Mundo.
O gestor do Departamento de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA), Zanelli Alencar, afirmou que não há inquéritos que investigam rede de aliciadores de crianças e adolescentes em Pernambuco. "Até agora, não surgiu nenhum fato relacionado a esse tipo de crime", disse.
De acordo com o DPCA, até abril deste ano, quatro pessoas foram presas por favorecer a prostituição e exploração sexual de crianças e adolescentes. "Este é um crime difícil de ser apurado porque requer o flagrante. Geralmente, são jovens que têm um histórico com problema familiar e moram na rua, então um adulto remunera de alguma forma o sexo com este menor, comercializa o corpo dele", explicou Zanelli.
No último dia 21, a presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei que torna crime hediondo a exploração sexual ou favorecimento à prostituição de crianças, adolescentes e vulneráveis. De acordo com a PF, o Brasil possui o quarto lugar no consumo de pedofilia no mundo.
A Ouvidoria da Secretaria de Direitos Humanos Presidência da República recebe denúncias de violações de direitos por meio do Disque 100, serviço de atendimento telefônico gratuito, que funciona 24 horas por dia, nos sete dias da semana. As estatísticas mostram que a maioria das vítimas é do sexo feminino (65,84%), com idades entre 12 e 14 anos (34,75%). Já os suspeitos, na maior parte do sexo masculino, têm idades entre 36 e 40.
Em 2013, o Disque 100 do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) recebeu 1.449 denúncias relacionadas à violência sexual, como abuso e exploração. A promotora Jecqueline Elihimas, que coordena o Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude, informou que até o momento não analisou nenhuma denúncia relacionada a aliciamento para a Copa.
A promotora critica a deficiência da atuação repressiva por parte da polícia. "O DPCA, por exemplo, está sem estrutura específica para atender crime sexual. A atuação educativa no estado ainda é razoável, embora seja carente em relação ao tamanho do problema", criticou.
O delegado Bruno Chacon, designado para planejar a parte operacional da Polícia Civil na Copa, informou que já está funcionando uma rede especializada para atender ocorrências com crianças e adolescentes. "Teremos dois postos na Arena Pernambuco, um posto do DPCA no Centro do Recife, a Central de Plantões e o próprio DPCA, além de ações de conscientização em hotéis pela Delegacia do Turista", explicou.
De acordo com o desembargador Luiz Carlos Figueirêdo, que coordena as varas de Infância e Juventude em Pernambuco, mais de 50% dos processos são relacionados a crimes sexuais. "Não tivemos nenhum registro na Copa das Confederações, mas temo que na Copa do Mundo a presença de bebidas e telões nos bairros possa agravar o problema", disse.
O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) treinou 19 voluntários para fiscalizar bares, hotéis e motéis durante o evento. Ao detectar alguma irregularidade, eles irão acionar autoridades policiais. O TJPE atuará com três postos avançados durante a Copa do Mundo.
Em alerta
Organizações sociais demostram preocupação com o turismo sexual. Não é para menos: segundo a Universidade Brunel, da Inglaterra, somente na última Copa do Mundo (África do Sul - 2010) houve aumento de 63% nos casos de exploração sexual infantil. A crítica das entidades é que falta um trabalho sistematizado e extensivo, uma estratégia que alcance efetivamente meninas e meninos usados na satisfação sexual dos turistas.
Jaciara Arruda, que atua na ONG Casa de Passagem, aponta que a mistura entre turistas, drogas e bebidas alcóolicas favorece esse tipo de crime. “É preciso que as pessoas que vêm de fora sejam conscientizadas sobre o turismo protetor, que combate a exploração. Para isso, as políticas públicas devem ser implementadas em escala mundial”, alertou.
A coordenadora do programa de mobilização para o enfrentamento à violência do Coletivo Mulher Vida, Adriana Duarte, acredita que a segurança estará centrada no local errado. "Vão prestar atenção na Arena, nas áreas nobres do Recife e nas manifestações. O grande investimento deveria ser nas comunidades pobres. Pernambuco ainda está vulnerável à exploração sexual infantil. A garantia de direitos humanos requer investimentos em âmbitos estruturantes, com existência de equipamentos sociais eficientes”, apontou.
Muitas mulheres que o G1 encontrou fazendo “ponto” em Boa Viagem alegaram que a falta de dinheiro e perspectivas motivou a ida delas para as ruas. Algumas começaram a fazer programas ainda muito jovens, com 13, 14 anos.
É o caso de uma jovem de 19 anos que resolveu fugir de casa aos 14, por conta do alcoolismo da mãe, e se prostituir nas ruas para sobreviver. Após receber visitas de missionários da Shores of Grace, grupo que trabalha levando mensagens positivas às mulheres que se prostituem, a garota quer reescrever essa história. “Eu encontrei amor nas palavras deles. Vi que há pessoas que se importam comigo e quero mudar, voltar a estudar”, contou.
A Shores of Grace tem uma casa que acolhe crianças encaminhas por conselhos tutelares, vítimas de abuso, exploração sexual e outros crimes. Outra casa vai ser aberta ainda este ano para receber mulheres maiores de 18 anos. A personagem ouvida pelo G1 vai para lá.
Jonathan Costa, um dos diretores da Shores of Grace, acredita que a tendência é que a exploração sexual infantil aumente. “Já ouvi relato de um grupo internacional que oferece 'cardápio', com menores, em hotéis e motéis do Recife, mas nós ainda não confirmamos. Ano passado, tivemos relatos de prostitutas vindas da Ásia para treinar as prostitutas daqui para a Copa. Ainda não vi uma ação sólida para combater este problema, como coibir a presença de menores em bares e casas noturnas. Não há fiscalização, ninguém é preso, nenhum dono de estabelecimento é punido”, criticou.
Força-tarefa
A partir da próxima sexta-feira (06), uma força-tarefa coordenada pela Secretaria da Criança e da Juventude (SCJ), por meio do programa Atenção Redobrada, vai atuar em 14 municípios e no distrito de Fernando de Noronha para combater a exploração sexual de crianças e adolescentes e outras violações de direitos. As ações serão realizadas durante o período da Copa do Mundo e também das festas juninas.
A força-tarefa terá 1.600 educadores visitando hotéis, praias, restaurantes e locais de grande movimentação, num trabalho preventivo de sensibilização de turistas, comerciantes, taxistas e sociedade. Durante a ação serão distribuídos materiais informativos com orientações sobre serviços voltados à proteção das crianças e adolescentes.
Ainda por meio do Atenção Redobrada, será criado o Espaço de Proteção, um local pensado para receber os filhos das pessoas que vão trabalhar nos eventos. "O Governo do Estado entra, o ano inteiro, com um aporte de aproximadamente 3,8 mil diárias. Para este período da Copa serão aportados cerca de 30% apenas para um mês", disse o secretário executivo de Articulação e Projetos Especiais da Secretaria da Infância e Juventude, Eduardo Figueiredo.
A secretaria faz parte do Comitê Estadual de Enfrentamento às Violações de Direito de Crianças e Adolescentes, criado em todas as cidades-sedes da Copa do Mundo, seguindo uma orientação do Governo Federal, para o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes no período do evento. É o comitê quem elabora a construção do atendimento para intervenções nos casos de violações de direitos.
Participam da iniciativa secretarias estaduais, prefeituras de Recife, Olinda, Jaboatão, Camaragibe, São Lourenço da Mata, Cabo de Santo Agostinho, Gravatá, Arcoverde, Bezerros, Goiana, Caruaru, Petrolina, Ipojuca e Fernando de Noronha, MPPE, TJPE, conselhos tutelares e outras entidades que integram a rede de proteção.
Durante o período da Copa, os conselhos tutelares vão atuar em regime de plantão. Em São Lourenço da Mata, cidade onde está a Arena, equipes de assistência social vão trabalhar em torno do estádio e estabelecimentos de exibição de jogos, além de festas que aconteçam durante o período.
Assim como ocorreu na Copa das Confederações, a Prefeitura do Recife realiza oficinas com taxistas e profissionais do setor hoteleiro. Haverá também equipes de assistência social nos polos de São João e exibição dos jogos para sensibilizar, identificar e encaminhar casos de violação de direitos aos órgãos de proteção. "Serão seis equipes volantes no entorno da Arena, em estabelecimentos e locais públicos que exibem os jogos em telões", informou o chefe de Divisão da Criança e do Adolescente da Prefeitura do Recife, Eduardo Paysan.
Reprodução Cidade News Itaú via G1
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