Na tentativa de resolver o problema dos jumentos nas estradas do Rio Grande do Norte, um promotor decidiu incentivar o abate desses animais para o consumo da carne. A
ideia é polêmica, mas qual seria a alternativa para solucionar a questão dos animais sem dono?
O número de animais soltos pelas estradas do estado levanta a dúvida: o jumento perdeu a serventia? Uma população inteira sem dono virou andarilha por caminhos perigosos. O jumento sai em busca de água e comida. Muitas vezes cruza a rodovia na intenção de encontrar mais fartura do lado de lá.
São tantos animais vagando pelas margens das rodovias, que no fim do ano passado, uma reunião entre representantes do Ministério Público, da Polícia Rodoviária, dos criadores e de Associação de Protetores de Animais, determinou a captura sistemática deles na região da divisa entre Rio Grande do Norte e o Ceará.
As polícias rodoviárias, federal e estadual fazem uma operação a cada quinze dias, recolhendo os animais abandonados. Não é só jumento que vai parar na estrada, mas ele é maioria absoluta e é quem dá mais trabalho aos laçadores.
Só nos primeiros 30 quilômetros de estrada, a operação recolheu 18 animais. Em um dia inteiro, pode chegar a quarenta. Para o capitão Maximiliano Fernandes, a retirada está dando resultado e já aparece nos índices de acidentes envolvendo animais nesses locais.
“Para se ter uma ideia, nós tivemos nos três primeiros meses de 2013 em torno de dez acidentes nas rodovias estaduais. No ano de 2014, nós tivemos apenas quatro”, informa Maximiliano Fernandes, capitão da Polícia Rodoviária Estadual
Na reunião ficou determinado que esses animais deveriam ir para algum lugar, e um criador do município de Apodi se dispôs a cuidar dos jumentos. Eribaldo Gomes Nobre, conhecido como Jesus, cedeu parte de sua fazenda, que está sem produção no momento, para acolher os animais.
Na fazenda os jumentos estão livres do perigo da estrada, mas por falta de recursos, o criador encontra dificuldade para fornecer ração ou até mesmo tratamento veterinário. “Do jeito que está hoje está saindo em torno de R$ 2, a R$ 2,20 por animal ao dia. Eu tenho 500 animais, dá em torno de trinta mil reais por mês”, diz.
No momento, por aqueles animais que têm valor, o dono vem buscar e paga R$ 50 com a diária. Em cinco meses, talvez tenha sido dado aqui em torno de cinco mil reais.
De jumento ninguém vem atrás. Jumento não tem dono? Não tem dono.
A decisão de incentivar o abate desses animais para consumo da carne criou polêmica. Quem está incentivando a ideia do abate é o promotor do Ministério público da comarca de Apodi, Silvio Brito. Ele quer que os animais abandonados sejam abatidos e consumidos pela população. Só que essa decisão esbarra em alguns problemas.
A lei determina que o abate de jumentos seja feito em frigoríficos que tenham Sife – Serviço de Inspeção Federal. Atualmente, no Rio Grande do Norte não existe nenhum estabelecimento autorizado. Nem mesmo no abatedouro de Parnamirim, que é um dos maiores do Nordeste, tem permissão para abater jumentos.
De acordo com o responsável pelo frigorífico, várias adaptações teriam que ser feitas, para adequar o trabalho. “Certeza que nós deveríamos destinar uma área exclusiva para isso, e fazer uma capacitação de pessoal, porque já que não é uma atividade comum, não é da nossa cultura abater essa espécie, nós precisamos treinar nossa equipe”, avalia Nicolai Saraiva, gerente do frigorífico.
Para fazer o abate de alguns jumentos foi concedida uma autorização especial da Defesa Sanitária do Estado. Eles passaram por teste de laboratório para saber se eles não tinham duas doenças contagiosas: a anemia infecciosa equina e o mormo. O laudo deu negativo para esses dois problemas, portanto os animais poderão ser abatidos para o consumo da carne.
A diretora de inspeção sanitária do Rio Grande do Norte explica porque é importante fazer esses exames. “São doenças infecto-contagiosas que a legislação exige que se o animal der positivo seja feita a eutanásia desses animais, onde quem assume a responsabilidade são os órgãos de defesa, que é uma exigência legal que os animais têm que estar negativo para entrar no abate”, afirma Fabiana lo Tierzo.
A carne dos jumentos abatidos foi levada para um restaurante em Mossoró, onde foram preparados dois pratos diferentes. O chef de cozinha Antonio Carlos compara o file mignon de jumento e o de bovino.
“Obviamente tem a diferença do tamanho, que se percebe à primeira vista e também a coloração. Você observa que o filé de equino de uma forma geral tem uma coloração mais escura, enquanto o file bovino tem uma coloração mais clara. A textura tecnicamente não é diferente”, explica. Quem experimentou o prato pronto, aprovou.
O promotor Silvio Brito justifica a ideia do abate. “Na verdade, a medida que fomos recolhendo esses animais e fomos vendo que o problema tinha ma dimensão muito maior do que a gente imaginava, que estávamos tratando de dezenas de milhares de animais, logo vimos que o simples acolhimento, ele não era economicamente viável você não teria como manter animais que vivem trinta e quarenta anos em cativeiro durante todo esse tempo custeado, seja por particulares ou pelo estado”, declara.
As associações de proteção aos animais discordam da decisão da promotoria, e querem que os jumentos tenham outro destino. “Hoje nosso estado, nossa região, já possui entre 70 e 80% da carne que se consome como clandestina. Ou porque foi abatida em local irregular, ou porque não teve acompanhamento adequado. Incluir mais um animal nessa lista de carne clandestina não vão resolver problema algum. Muito pelo contrario”, comenta Kléber Jacinto, ambientalista.
“Outra coisa que a gente tem como possível solução poderia ser o incentivo da produção de leite. Existem pesquisas que apontam que a proteína do leite de jumenta é muito mais especial e nutritiva para o ser humano. Hoje o queijo mais caro do mundo é o feito com leite de jumenta. O jumento é o representante nordestino, é um animal forte, então culturalmente eu acho que a gente deveria resgatar o respeito ao animal”, afirma Kátia Lopes, veterinária.
Em uma grande fazenda de produção de banana no município de Russas, no Ceará, 30 jumentos ajudam na colheita da fruta. Os jumentos são resgatados nas estradas e assim que chegam na fazenda, passam por exames, consulta veterinária e por quarentena. Para garantir que nenhum animal doente vai entrar em contato com as frutas.
Cada jumento faz seis viagens por dia. É uma rota de dois quilometros e meio até o galpão de embalagens. Depois de cumprida a cota, ele vai para o curral, com sombra, água fresca e milho.
O técnico agrícola responsável pelos animais justifica o emprego dos animais na fazenda. “Inicialmente, esse trabalho era feito com os seres humanos, com homens. Quando trocou a mão de obra humana pelo jumento, aumentou o rendimento em duas vezes e meia. O ser humano conseguia trazer 20 cachos, o jumento a gente consegue trazer de 40, até 50 cachos por viagem”, explica Odirley dos Santos.
A fazenda gasta, com os trinta animais, R$ 3.500 por mês, com alimentação, tratador e medicamentos. A meta é ter 450 animais, em três mil hectares plantados.
Essa é apenas uma das possibilidades para amenizar a questão dos jumentos.
Mas o problema é complexo e ainda está longe de ter uma solução, ou um desfecho que preserve o elo entre o homem do sertão e o animal mais tradicional do Nordeste.
Pesquisadores da Universidade Federal Rural do Semi-Árido estão desenvolvendo pesquisas para ver se existe viabilidade econômica no abate de jumentos para o consumo da carne. E também quais os custos para fazer a castração dos animais abandonados nas rodovias.
Reprodução Cidade News Itaú via G1
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