Uma série de linchamentos e espancamentos de suspeitos de crime foi noticiada este início de 2014, mas os autores das agressões passaram em geral
impunes. Dos 22 casos noticiados pelo G1 até o dia 25 de março, em apenas 5 situações a polícia investiga quem participou das agressões.
Um dos mais polêmicos foi o do adolescente preso nu por uma tranca de bicicleta a um poste no Rio. Outro caso controverso foi a do homem colocado sobre formigueiro no Piauí. Ambos são investigados, assim como o do rapaz que sofreu infarto durante fuga em Franca (SP), um espancamento em Sidrolândia (MS) e uma tentativa de furto em trailer no Rio.
Mas outros 13 não têm inquérito nem da Polícia Civil nem do Ministério Público. Entre eles, está o do homem que tentou roubar uma casa na Grande Natal. Após ser rendido e amarrado, moradores colocaram saco plástico em sua cabeça e o espancaram. Em relação a três casos em Santa Catarina a polícia não passou informações ao G1. Outro caso no mesmo estado foi investigado, mas depois acabou arquivado porque o agredido não prestou queixa.
Limbo jurídico
Segundo Ariadne Natal, socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo(NEV/USP), os linchamentos são ações cujo objetivo é machucar o suspeito de praticar um crime.
Para caracterizar uma ação desta forma, o propósito de “fazer a justiça com as próprias mãos” é mais importante do que seu desfecho - que, em algumas vezes, já terminou em morte no Brasil.
O linchamento, porém, não é considerado um crime na linguagem jurídica. Para ser investigado, é caracterizado como lesão corporal, tortura, tentativa de homicídio etc. Isso dificulta o levantamento de quantos casos acontecem no Brasil por ano.
Além disso, a socióloga critica o fato de que os inquéritos parecem depender do registro das queixas dos agredidos - quando as autoridades é que têm que perceber o crime. “Se a pessoa já é acusada de algo, está em uma situação vulnerável. Caso ela seja agredida, então, isso deve gerar um novo boletim de ocorrência para investigar um novo crime”, diz.
No caso já citado no Rio de Janeiro, por exemplo, a Polícia Civil iniciou uma investigação de lesão corporal baseada nas imagens que foram divulgadas na época - já que o adolescente e seus pais não registraram um boletim de ocorrência.
Já em Goiânia, o caso de outro adolescente amarrado a uma grade de ferro sob a suspeita de roubar uma moto está emperrado exatamente por falta de queixa. Segundo a Polícia Civil, que investiga a tentativa de roubo, um pedido de investigação das agressões foi encaminhado à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). O DPCA informou, porém, que não recebeu pedidos sobre o caso e que os pais do menor não registraram queixas.
Dificuldade de evolução do caso
Mesmo que as investigações sejam iniciadas, porém, os casos de "justiçamentos" não costumam evoluir na Justiça, de acordo com Natal. “Brinco que o linchamento é um crime perfeito. A nossa legislação tem dificuldade de trabalhar com casos assim, pois, como geralmente são ações que envolvem muitas pessoas, é difícil definir as responsabilidades. É raro conseguir ir para a frente e muito raro conseguir uma condenação”, diz.
Além disso, quando os casos entram no sistema policial, no geral, são ignorados como crime. "A pessoa que é agredida é suspeita de causar algo, então isso é o foco, o crime anterior. O que aconteceu depois é colocado como uma consequência."
À dificuldade de identificação do crime, soma-se ainda o preconceito da sociedade para dificultar a responsabilização dos culpados, segundo Natal. “Parece que, aos olhos da sociedade, [a suspeita de ter praticado um crime] torna a pessoa passível de sofrer violência. Por ser suspeita, é tachada de ladrão, tarado, marginal, maníaco e perde a condição de cidadão. Isso não existe. Ela tem que ser julgada e, caso seja condenada, vai sofrer as consequências da lei.”
Reprodução Cidade News Itaú via G1
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