Às vésperas do início do Carnaval 2014 de Salvador, um clima melancólico paira no ar. O axé, principal combustível da festa
baiana, sofre de desencanto. Enquanto uns dizem que o ritmo está "vendido ao sistema", outros afirmam que o espaço para o gênero foi tomado pela música sertaneja. Críticas --e críticos-- não faltam: Ivete Sangalo condena a maneira como o artista é tratado, Claudia Leitte apela por novidades na música baiana e Saulo Fernandes reclama que o modelo como o estilo é trabalhado está gasto. O axé está em crise.
O sinal de frustração vem de dentro da comunidade. Como forma de protesto e tentativa de se desvincular do "axé industrial", os músicos Ricardo Chaves, Manno Góes (Jammil), Magary Lord e Durval Lelys (Asa de Águia) criaram a "superbanda" Alavontê com a ideia de "voltar às raízes". Eles se uniram a Jonga Cunha, Ramon Cruz, Adelmo Casé e André Simões --precursores do axé na Bahia-- para fazer um "som diferente do que toca nas rádios locais".
"Todo mundo estava meio saturado dessa indústria engessada do entretenimento da Bahia", disse ao UOL Ricardo Chaves, que entrou no Carnaval baiano em 1982 e, dez anos depois, estourou com o hit "É o Bicho". Para o cantor, o axé de raiz era atrelado ao Carnaval e a "momentos agradáveis". "O que acontece é que [a música] deixou de ser do público e passou a ser feita para ganhar prêmios. Tipo: 'Qual é a melhor música do Carnaval?', e não importa se as pessoas gostam. Eles [empresários do ramo] vão lá, pagam às rádios e vivem um ano inteiro de um só hit. E nós cansamos disso".
Uma das músicas mais cotadas para ser o sucesso do Carnaval 2014 de Salvador, o pagode baiano "Lepo Lepo" da banda Psirico, teve um investimento de R$ 300 mil da produtora Penta Eventos. Os gastos foram divididos em campanhas publicitárias, distribuição de CDs, promoções e divulgações em rádios, viagens para apresentações em programas de TV, participação em shows diversos, placas de outdoor, publicidade no mobiliário urbano e na gravação de dois vídeos promocionais.
Na contramão, a Alavontê quer fugir dos holofotes da mídia --até o momento, os músicos não querem fazer parte de qualquer gravadora. Na última terça-feira (25), a banda se apresentou em um local fechado e, ao invés do tradicional abadá, os foliões resgataram a antiga mortalha --uma espécie de túnica multicolorida que servia como vestimenta padrão no início dos anos 90.
O Carnaval 2014 de Salvador terá um bloco na avenida comandado pelo cantor Gusttavo Lima. Ele estreia no sábado (1º) o "Doidaça", que percorrerá o circuito Barra-Ondina tocando "sertanejo romântico animado". A dupla Jorge & Mateus também dará continuidade ao bloco "Pirraça/Fecundança", que este ano vem com participação de Israel Novaes.
Ricardo Chaves defende que o "axé verdadeiro" perdeu a força quando passou a ser atrelado às grandes micaretas fora de época, eventos que foram tomados por festivais e rodeios por todo o país. "Agora temos a entrada maciça dos sertanejos no Carnaval. Ao meu ver, todos os sertanejos são iguais. Quer coisa que mais segregada do que o sertanejo universitário?".
O empresário Stephan Geocze, dono da agência de turismo "Juca Na Balada" e presidente do fã-clube do Chiclete com Banana "Invasão Laranja", faz coro ao dizer que o axé perdeu espaço para o sertanejo. "Antes minha empresa era focada em viagens para grandes micaretas, mas tive que expandir para outros segmentos para suprir essa deficiência no axé", disse ele, acrescentando que a procura por camarotes no Carnaval 2014 é maior do que a compra de abadás para seguir blocos de axé.
Entra e sai de vocalistas
Neste Carnaval, os vocalistas Bell Marques (Chiclete com Banana), Alinne Rosa (Cheiro de Amor) e Léo Santana (Parangolé) deixarão suas respectivas bandas para seguir carreira solo. Ivete Sangalo --que esteve à frente da Banda Eva por cinco anos na década de 1990-- atribui esse "abandono" à desvalorização do artista por parte dos empresários.
Para o empresário da banda Cheiro de Amor, Windson Silva, é um "anseio natural do artista de querer fazer o seu trabalho sozinho". "Eles acreditam que vão se dar bem sozinhos. Mas como não acompanham a engrenagem e o business, quando entram em carreira solo, precisam cuidar de tudo isso, e é uma realidade diferente".
Silva disse que Alinne Rosa fazia o que queria no Cheiro de Amor e nunca foi forçada a nada. "Ninguém dava pitaco. Não concordo com essa coisa de dizer que o artista não pôde se expressar. Como eu não concordava com o repertório [feito por ela], por exemplo, deixei até de viajar com a banda. Mas, mesmo assim, acatei as decisões dela", contou ele, acrescentando que as saídas e entradas nas bandas mostram uma renovação no axé.
O empresário acredita que, daqui três anos, novatos como Felipe Pezzoni (Banda Eva), Vina Calmon (Cheiro de Amor) e Levi Lima (Jammil) serão as novas estrelas do axé. Para ele, o gênero não está gasto e vem em constante transformação para seguir as tendências do mercado. "O axé está tão bem que os grupos sertanejos estão gravando as nossas músicas. Continuamos com um caldeirão musical muito forte".
Reprodução Cidade News Itaú
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