A baía de Havana, cujas qualidades os conquistadores espanhóis descobriram há meio milênio, foi desde aqueles tempos de explorações o acidente geográfico
ao qual a ilha de Cuba deveu a sua importância.
A estrutura natural da baía e a sua localização, na boca do golfo do México, determinaram que fosse o ponto em que o império espanhol reunia suas frotas nas viagens de retorno à Espanha, carregadas do ouro e da prata arrancados do Novo Mundo.
Com forma de bolsa, a baía era o melhor refúgio possível contra os furacões e os piratas e bucaneiros que, ao chegar à sua entrada, podiam topar com a corrente que fechava de costa a costa o estreito acesso a esse lago interior.
Em pouco tempo, o porto virou um estaleiro, do qual saíram algumas das maiores embarcações da época, enquanto nos arredores brotavam várias das mais pretensiosas fortalezas coloniais.
Já se disse que Havana é filha de sua baía e que a importância histórica, a peculiaridade cultural e a pujança econômica que a ilha já teve em algumas épocas foram relacionadas a esse porto.
No início deste ano, parece ter começado uma história diferente para a velha enseada da capital cubana.
A abertura de um moderno terminal de contêineres na baía de Mariel (40 km a leste) vai levar a esse porto o grosso da atividade mercantil cubana que se realiza pelo mar.
Havana, enquanto isso, vai ceder seu porto para fins turísticos. E ele se converterá numa marina que poderá receber um volume maior de visitantes nos próximos anos.
Esse transferência de responsabilidades de Havana para Mariel pode ser um marco na história de Cuba.
O novo porto quer converter-se no epicentro da economia cubana, não apenas em virtude de sua capacidade (com calado que chega a 18 metros, pode receber os supercargueiros dos novos tempos), mas também porque em suas imediações vai funcionar uma Zona Especial de Desenvolvimento, regida por padrões de zona franca, com regulamentos menos onerosos que os vigentes no resto do país para comerciantes e investidores estrangeiros.
Mariel é a grande esperança econômica do governo cubano: é sua aposta para tornar moderna e competitiva a economia de um país que se viu preso em suas próprias estruturas (ainda existentes), geradoras de baixa produtividade e de eficiência lamentável em quase todas as áreas.
A presença do governo e de empresas brasileiras possibilita a realização do megaprojeto, talvez o maior em Cuba no último meio século.
Os empréstimos governamentais –US$ 802 milhões iniciais, aos quais se somarão US$ 290 milhões– foram decisivos para a obra.
Em troca desse gesto, tudo parece indicar que o Brasil quer fincar um pé na nova economia cubana, graças à esperada concomitante chegada de empresas brasileiras, que talvez considerem atraente essa possibilidade de ampliação da rota marítima que conduz ao Panamá e a seu renovado canal.
Com o corte da fita que inaugurou o porto, Raúl Castro e Dilma Rousseff assinalaram uma mudança na história de Cuba. Mariel se abre ao mundo, enquanto a histórica baía de Havana, por onde a ilha por séculos respirou, passa agora ao plano de atriz secundária.
De agora em diante, nós, havaneses, talvez tenhamos uma baía mais limpa e visitada por turistas, mas sem a posição de destaque que fez de minha cidade um ponto de referência imprescindível na história cubana e de boa parte da América.
Justamente por aquilo que a fez importante, a baía de Havana hoje paga o preço de sua degradação econômica.
Oxalá essa transferência histórica sirva para que os cubanos tenhamos a vida melhor que tanto desejamos e que, creio eu, merecemos.
Reprodução Cidade News Itaú
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