Quatro mulheres que são soldados da PM do Rio de Janeiro dizem que receberam ordens de superiores para ocultar provas da tortura a Amarildo e que foram
obrigadas a dar declarações pré-combinadas aos investigadores do caso. É o que revelam depoimentos obtidos com exclusividade pelo Bom Dia Rio e exibidas nesta segunda-feira (28).
Vinte e cinco PMs que eram lotados na UPP da Rocinha já foram denunciados pelo desaparecimento e pela morte de Amarildo de Souza. Treze já estão presos – três se entregaram na quarta-feira (23). O corpo do ajudante de pedreiro ainda não foi localizado.
Durante mais de três meses, as quatro soldados esconderam o que testemunharam na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha em 14 de julho, data do desaparecimento de Amarildo. Só criaram coragem para falar o que viram e ouviram naquela noite após a prisão de parte dos policiais acusados de envolvimento no caso.
Choro no depoimento
Segundo a promotora Carmen Eliza de Carvalho, do Ministério Público (MP), os depoimentos foram marcados pela emoção. “Elas desabaram. Choraram mesmo. E todas falaram a mesma coisa: ‘Hoje, depois de muitos meses, eu vou conseguir dormir.”
Uma das soldados contou que estava dentro da UPP quando ouviu gritos de dor e pedidos de socorro atrás da unidade. Ela disse que foi até a parte da frente da sala e tapou os ouvidos para não ouvir mais o que estava acontecendo. Ao concluir que um homem estava sendo torturado e falou para duas colegas: “Isso não se faz nem com um animal”.
De acordo com a policial, a tortura durou cerca de 40 minutos. Depois, tudo ficou em silêncio. Ela, então, disse ter ouvido risos.
A violência contra Amarildo ocorreu atrás de contêineres que servem de base à UPP da Rocinha. Depois da tortura relatada, o local foi transformado num depósito, sinal de que o objetivo era atrapalhar a investigação.
De acordo com o MP, a farsa se manteve por três meses e contou com uma outra estratégia coordenada pelo major Edson Santos, então comandante da UPP. Uma outra soldado afirmou que o major fez uma reunião com os policiais na presença de um advogado. Segundo ela, foi como um pré-depoimento. Todos foram orientados sobre o que deviam dizer aos investigadores, contou.
Segundo a testemunha, após o depoimento em que ela desabafou, o major quis saber o que ela tinha dito. Foi então que o advogado contou para o major que ela havia falado demais.
“Elas tinham muito medo do que poderia acontecer com elas. ‘Vocês não ouviram nada, não teve nada de anormal e Amarildo desceu pela escada’. O tom era esse de orientação. Entenda-se determinação”, afirma a promota.
'Lavagem cerebral', diz promotora
Imagens inéditas obtidas pelo Fantástico mostram uma das reuniões feitas pelo PM, numa calçada no Centro do Rio. Segundo o MP, o homem que aparece de gravata nas cenas é o advogado dos policiais. “É como se fosse uma lavagem cerebral. Ele saiu bem daqui, ninguém ouviu nada. O dia foi normal, nada aconteceu”, diz a promotora.
As policiais que colaboraram com as investigações têm pouca experiência e ficavam encarregadas do serviço administrativo. São PMs que só deram tiros na academia, em treinamentos, e que jamais prenderam ninguém.
“O sentimento era uniforme. 'Se estão fazendo isso com aquela pessoa, se a gente for fazer alguma coisa, que que vão fazer com a gente? Porque lá fora temos vários homens armados, todos superiores hierárquicos'”, afirma a promotora.
As soldados disseram que foram obrigadas pelos superiores a ficar dentro da sede, junto com outros colegas de farda. “Todo mundo ouvindo o que estava acontecendo, uma óbvia tortura ali. E aí a Rachel fala: 'Com esse barulho não dá pra trabalhar'. Não é assim: 'O que está acontecendo? Alguém está sendo torturado?' É 'com esse barulho não dá pra trabalhar'", diz a promotora. Rachel de Souza Peixoto pertence ao grupo de 25 PMs que se tornaram réus no caso.
'Resolve', teria dito major
Uma outra policial denunciada, a soldado Thais Rodrigues Gusmão, contou que o major Edson Santos deu uma ordem para o tenente Luiz Felipe de Medeiros, então subcomandante da UPP, também preso: “Medeiros, vai até lá e resolve isso aí.” Nenhum deles demonstrou surpresa com o que estava contecendo atrás do contêiner, disse. Segundo a policial, o tenente passou a fazer perguntas ao homem junto com os outros colegas.
Depois de identificar a participação do tenente Medeiros na sessão de tortura, a soldado Thaís contou ter recebido ordens do major para ir até o Parque Ecológico da Rocinha, que fica ao lado da UPP, e apagar as luzes da área. Thais disse que permaneceu no local por mais de duas horas. Disse que não queria ouvir mais as agressões.
Corpo pode ter saído por telhado
Thais afirmou ainda que ficou no parque com três PMs à paisana que não informaram o que faziam no local. Nesse intervalo de tempo, de acordo com o depoimento de outro policial, PMs da UPP retiraram por um vão no telhado o que se assemelhava a um corpo.
A soldado Thais afirmou que se surpreendeu ao ver o major Edson Santos e cinco policiais descendo do alto da mata. Numa das buscas feitas pela Divisão de Homicídios na Rocinha, cães farejadores latiram muito numa determinada área, o que fez investigadores suspeitarem que o corpo de Amarildo possa ter ficado algum tempo enterrado no local e mais tarde tenha sido levado para fora da comunidade.
Escuta foi decisiva
Nesta semana, os investigadores dizem ter desvendado como foi a participação de cada PM no caso. Uma escuta feita pela polícia, com autorização da Justiça, e revelada com exclusividade pelo Jornal Nacional nesta terça, foi a prova decisiva para a conclusão do caso.
Um homem que se identifica como o traficante Catatau faz ameaças a um policial infiltrado no tráfico e dá a entender que matou Amarildo, conhecido como Boi. A perícia comprovou que esse homem era o soldado Marlon Campos Reis fazendo uma encenação.
Reprodução Cidade News Itaú
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