A Justiça de São Paulo determinou na tarde desta quarta-feira (9) a liberdade dos jovens Humberto Caporalli, de 24 anos, e Luana Bernardo Lopes, de 19 anos, presos há dois dias durante protestos na Praça da República, no Centro de São Paulo.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) confirmou que o juiz do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) Marcos Vieira de Morais aceitou o relaxamento da prisão, sem dar outros detalhes da decisão. Humberto estava detido no 91º Distrito Policial e seria transferido nesta quarta para o Centro de Detenção Provisória (CDP) do Belém, na Zona Leste de São Paulo. Luana estava na Penitenciária de Franco da Rocha.
O advogado da dupla, Daniel Biral, afirmou em sua página no Facebook que a prisão foi ilegal. Ele não foi localizado nesta tarde para comentar a decisão. Segundo a polícia, o casal infringiu a Lei nº 7.170, conhecida como Lei de Segurança Nacional. A lei foi "criada sob um regime ditatorial e que não coaduna com um Estado Democrático de Direito", afirmou Biral.
O defensor disse, em entrevista nesta terça-feira (8), que Humberto e Luana negam os crimes dos quais foram acusados pelas polícias Militar e Civil. “Eles estavam lá apenas registrando a manifestação. Não participaram de qualquer ato de vandalismo”, disse Biral, do grupo Advogados Ativistas.
No entendimento do advogado, a polícia estaria vinculando o casal ao carro da Polícia Civil que foi tombado na Avenida Rio Branco durante o protesto. “Eles foram pegos filmando o tombamento do carro, mas não tombaram o veículo”, garante o defensor.
Promulgada em 1983 durante a ditadura militar, no governo do então presidente General João Figueiredo, a Lei de Segurança Nacional define como crime "depredar, provocar explosão ou incendiar para manifestar inconformismo político ou manter organizações subversivas".
Ao todo, 11 manifestantes foram detidos nos atos que terminaram em confronto com policiais militares e em vandalismo contra bancos, lojas e um carro da polícia. Além do casal, um adolescente permaneceu apreendido por portar um soco inglês e deve responder por resistência à prisão.
Sobre a acusação de que estavam portando armas de uso restrito, o advogado alegou que eles tinham uma mochila onde guardaram uma cápsula de gás lacrimogêneo da PM. “Eles me disseram que haviam pego o artefato como souvenir. Nem tinham condições de estarem armados porque esse produto só pode ser obtido pela PM”, afirmou.
O advogado disse ainda que irá entrar com um pedido de liberdade provisória na Justiça para que os dois respondam ao crime em liberdade. “Será alegado ao juiz de primeira instância que eles devem ser soltos pela ausência de materialidade. Não há provas contra eles”.
Segundo Biral, Humberto está na capital há uma semana. “Ele veio do interior do estado em busca de melhores oportunidades na vida. Trabalha com grafite e é ligado a ações artísticas”, alegou o advogado. O defensor falou que Luana tem 19 anos e estuda na Faculdade Santa Marcelina. “Também faz algum curso ligado às artes”.
Indagado se eles participam de algum grupo ou movimento, Biral negou. “Eles assumem que estavam no ato, mas negam ter participado de qualquer dano. Estavam na rua registrando e provocando culturalmente, artisticamente. Durante as manifestações estavam pintando determinadas instalações, o que chamam intervenções artísticas. Pelo que eles me contaram, disseram que a cidade ficou mais bonita com a intervenção artística deles. Em nenhum momento tem fotos ou imagens deles participando desse ato. Acredito que foi um equívoco.”
Provas contra a dupla
O delegado Antônio Luis Tuckumantel disse a principal prova contra a dupla serão imagens gravadas pelos próprios detidos. Na análise do delegado, fotos e vídeos mostram que eles incentivaram o ataque contra a viatura, que foi tombada na região da Praça da República.
Segundo o delegado, na câmera dos jovens havia ainda imagens da ação de protestos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na filmagem realizada na segunda-feira, segundo o delegado, é possível ouvir a estudante incentivando a depredação.
O delegado diz que a dupla será enquadrada por infringir o artigo 15º da lei, que trata da pratica de "sabotagem contra instalações militares". Na lei está configurado como agravante o "dano, destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança".
“[A ação de ontem foi] uma forma de afrontar as instituições [nas esferas] municipal, do estado ou federal. Isso é uma desordem, que, se formos analisar, realmente dá para enquadrar na Lei de Segurança Nacional. Não é admissível que fatos dessa natureza venham ocorrendo e venham prosperando”, afirmou Tuckumantel.
Incitação à violênica
Na interpretação da Polícia Civil, mesmo que os dois não tenham participado da depredação do carro da Polícia Civil, eles incitaram o vandalismo e, por isso, devem responder por esse crime.
“No entender da autoridade policial a viatura policial é um bem público, que não pode ser retirado de circulação. O que fizeram com a viatura? Tombaram, era para colocar fogo. Só não atearam por intervenção da polícia e, por isso, não causaram mal maior”, disse o delegado.
“Ficou claro que foram outros [que tombaram a viatura]. Mas se você diz: faça, faça, você participou através da incitação. Não necessariamente você precisa jogar uma pedra”, esclareceu. Com o casal foram apreendidos uma mochila, sprays e um bomba de gás lacrimogêneo. “Está claro que estão voltados para a prática de crimes e não para fazer manifestação”, disse.
A própria câmera, segundo a polícia, é uma prova que os incrimina. “Tudo estava filmado. A moça falava: ‘quebra, quebra’. Isso sem contar que eles confessaram a prática delitiva”, afirmou o delegado Tuckumantel.
Segundo a polícia, o pintor participou de protestos violentos no Rio de Janeiro. Em seu perfil no Facebook, o pintor se apresenta como Humberto Baderna. Há imagens dele em outras manifestações.
“Nós temos agora elementos para incriminar os demais. Nós pegamos o peixe maior, o idealizador, o mentor que veio do Rio de Janeiro só para isso em São Paulo. Participou das badernas no Rio de Janeiro e lá também tem gravação dessas badernas que eles participaram no Rio de Janeiro e em São Paulo também. (...) Daqui para a frente nós temos o fio da miada para chegar nos demais participantes”, disse o delegado.
Os detidos também vão responder pelos crimes de dano qualificado, incitação, incitação ao crime, formação de quadrilha ou bando, posse ou porte ilegal de armas de fogo de uso restrito. Além do casal de Mogi, está apreendido um adolescente tem 15 anos que carregava um soco inglês. Segundo o delegado, ele tentou atacar os policiais que tentaram detê-lo.
Segundo o delegado, os crimes de formação de quadrilha e de segurança nacional não permitem que eles sejam colocados em liberdade pela autoridade policial. A Justiça é quem determinará se eles vão seguir presos ou terão direito à fiança. “A polícia faz a parte dela e encaminha para a Justiça. Se acaso a lei admite a liberdade ou pagamento de fiança isso é questão da lei”, afirmou. “Eu entendo que não vão ser liberados. Pelo material que temos em mão, seria uma decepção eles irem para a rua”, disse.
Críticas ao uso da Lei da Segurança Nacional
O advogado Marcelo Feller, que já representou manifestantes detidos em São Paulo, criticou a tipificação adotada pela Polícia Civil. “Essa lei é um absurdo. A Lei de Segurança Nacional autoriza pessoas não militares a serem julgadas por um tribunal militar se forem processadas. Em última instância quem vai analisar o caso deles será um general. É uma situação bastante preocupante", disse.
"É um exagero falar que praticaram crime de sabotagem e colocaram em risco a segurança nacional. (...) A Lei de Segurança Nacional foi feita em plena ditadura militar. A estratégia é essa da polícia? Fazer com que o casal seja julgado por seus pares?”, questiona o advogado.
De acordo com o advogado, a pena para quem for condenado pelo crime de sabotagem pode ir de 3 a 10 anos de reclusão em regime fechado, com a possibilidade de que ela seja dobrada em caso de destruição ou paralisação dos serviços essenciais.
Como foi o protesto
As prisões ocorreram após dois grupos que protestavam na capital paulista se reunirem na Praça da República e entrarem em confronto com a Polícia Militar. Ao menos oito agências bancárias ficaram destruídas na região central da cidade. Um posto de gasolina, um mercado, um carro da Polícia Civil e uma moto também foram alvo do protesto.
Segundo a Polícia Militar, seis policiais ficaram feridos nos protestos. Eles foram atingidos por pedras, principalmente, no rosto, cabeça e pés. Com escoriações leves, nenhum dos policiais foi encaminhado a hospital.
Quem participou
O ato reuniu dois grupos. Um deles era formado por estudantes da Universidade de São Paulo (USP). Eles iniciaram o ato na região da Avenida Paulista. A manifestação foi realizada em apoio aos estudantes que invadiram a reitoria na semana passada e aos professores em greve no Rio.
O outro grupo de manifestantes se concentrou inicialmente em frente ao Teatro Municipal, no Centro, em protesto por melhores salários para os professores do ensino público.
Houve confronto com a Polícia Militar após a reunião na Praça da República. Na Avenida Ipiranga, duas agências bancárias e uma lanchonete foram depredadas. Na mesma via, manifestantes colocaram fogo em sacos de lixo para bloquear a passagem.
Um carro da polícia foi virado na Avenida Rio Branco. Os manifestantes se dispersaram pela região central por volta das 20h40. Outras quatro agências, sendo duas do Santander, uma do Itaú e outra da Caixa Econômica Federal, foram depredadas na Avenida Duque de Caixas. Outras duas agências também foram de vandalismo na Avenida Consolação.
Durante o tumulto, as portas de algumas estações de Metrô no Centro foram fechadas. O Metrô diz que houve uma contenção de fluxo, com seguranças nos acessos, para evitar que a manifestação invadisse a estação e garantir a integridade física dos usuários. A operação não foi afetada, segundo a companhia.
Reprodução Cidade News Itaú
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