A autorização da Justiça Federal de São Paulo para buscas nas empresas suspeitas de envolvimento em um suposto esquema de cartel em licitações do metrô de São Paulo e do Distrito Federal incluiu permissão para que servidores do Cade e oficiais de Justiça vasculhassem lixo e arrombassem portas e cofres.
A decisão da 4ª Vara Federal Cível da Justiça de São Paulo, disponível no site da Justiça Federal de São Paulo, confirma que a investigação começou após denúncia da empresa alemã Siemens, que firmou um acordo de leniência (equivale a uma delação premiada) com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão ligado ao Ministério da Justiça que avalia práticas anticoncorrenciais de empresas.
Nesta sexta (2), o jornal "Folha de S.Paulo" informou que a Siemens entregou documentos ao Cade nos quais afirma que o governo de São Paulo "deu aval" às irregularidades em licitações de obras. O Cade confirmou que foi firmado um acordo de leniência (equivale a uma delação premiada) sobre a suspeita, mas não informou se foi firmado com a Siemens. A Siemens negou ter sido a origem dos dados.
O pedido de busca e apreensão de documentos foi feito pelo Cade no dia 18 de junho, e concedido pela juíza Marcelle Carvalho um dia depois. A operação, denominada Linha Cruzada, foi realizada em parceria com a Polícia Federal nas cidades de São Paulo, Diadema, Hortolândia (SP) e Brasília (DF) no dia 4 de julho.
Ao autorizar buscas em dez empresas envolvidas no suposto esquema - Alstom, Parsons Brinckerhoff, Bombardier Transportation Brasil, Caf - Brasil, Tejofran, Iesa Projetos, Mitsui & CO, Serveng Civilssan, Temoinsa e Trans-sistemas de Transportes -, a juíza liberou apreensões inclusive em itens dos funcionários. Geralmente, a Justiça especifica o que pode ser apreendido para que o alvo da busca não questione a falta de autorização.
"Desde já se concede permissão para que os servidores do Cade e a força policial requisitada, necessária para garantir o cumprimento desta ordem acompanhem os oficiais de justiça designados, inclusive com o uso da força, se necessário, com arrombamento de portas externas e internas, gavetas, armários e cofres", diz a decisão da juíza.
Em outro trecho, ela afirma que "fica autorizada a quebra dos dados magnéticos apreendidos; a apreensão de quaisquer objetos, livros, fitas, computadores e arquivos magnéticos, ou outro material que esteja em poder das requeridas ou de seus funcionários e corpo diretivo, inclusive em gavetas, cestos de lixo, cofres, etc".
A juíza destaca que o acordo de leniência entre o Cade e a Siemens foi assinado no dia 22 de maio. A decisão afirma que, além da empresa, também assinaram o documento funcionários de empresas suspeitas.
"O referido acordo visou levar ao conhecimento do Cade a existência de cartel em licitações relativas a projetos de metrô e/ou trens e sistemas auxiliares no Brasil, no período compreendido entre, pelo menos, 1998 e 2008, de forma a auxiliá-la a empreender investigações sobre a conduta. Para tanto, os beneficiários confessaram suas participações, como co-autores, na conduta citada, com vistas a obter, em contrapartida, os benefícios [imunidade]", diz o documento.
Projetos
Os dados indicam fraudes em pelo menos seis projetos "de extrema relevância", segundo a Justiça de São Paulo: linhas 2 e 5 do Metrô de SP, manutenção e aquisição de 320 carros para a CPTM, programa Boa Viagem da CPTM e manutenção do Metrô do Distrito Federal.
Conforme a Justiça, os documentos apontam a prática de cartel. "As alegações do Cade são corroboradas pelos documentos acostados à inicial, os quais constituem indícios de que as rés envolveram-se na prática de cartel."
Na linha 2 do Metrô de São Paulo, o Cade alega, segundo o documento da Justiça, "ter havido divisão de mercado e combinação de vencedor, com subcontratação dos demais".
Na linha 5 do Metrô paulista, "há indícios de que as empresas inicialmente concorrentes decidiram formar um único consórcio após a fase de pré-qualificação, eliminando a possibilidade de disputa".
Em relação à manutenção na CPTM, o Cade alegou, segundo a Justiça, "ter havido acerto prévio entre as empresas, sobre quais seriam vencedoras e quais seriam subcontratadas". Na aquisição de carros, "teria havido a divisão prévia do objeto das licitações entre os concorrentes".
No projeto Boa Viagem as suspeitas recaem sobre quatro licitações, para as quais as empresas teriam feito "tratativas".
Por fim, a decisão aponta que, no Metrô do Distrito Federal, consórcios concorrentes "dividiriam o objeto da licitação, através da subcontratação do perdedor, sem prévia negociação de quem seria o vencedor".
A juíza destaca que a busca e apreensão serviria para o Cade "colher provas suficientes para instauração de processo administrativo".
Apuração em andamento
Nesta sexta, o Cade disse que as investigações estão em fase inicial e ainda não se sabe a "abrangência" do suposto cartel.
"Não é possível afirmar, no atual estágio de investigação, a abrangência do suposto cartel em licitações para aquisição de carros de trens, manutenção e construção de linhas de trens e metrôs no Brasil. O inquérito administrativo conduzido pela Superintendência-Geral do Cade é uma fase preliminar de investigação."
Após a análise da documentação pela superintendência, o órgão vai decidir se instaura um processo administrativo para constatar a existência de cartel.
Se isso acontecer, será designado um relator para a investigação, que ouvirá a defesa das empresas e fará um parecer para ser submetido ao plenário do conselho, o tribunal do Cade, que decidirá se houve ou não a formação de cartel.
"Apenas após a análise de todo material apreendido pelo Cade durante a operação de busca e apreensão realizada no dia 4 de julho e eventual instauração de um processo administrativo é que poderão ser identificadas as empresas e pessoas físicas envolvidas, os projetos e cidades afetadas e o período em que o cartel teria atuado", disse o Cade.
A assessoria do Cade informou que um processo de investigação de cartel demora, em média, de dois a três anos.
Reprodução Cidade News Itaú
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