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sexta-feira, julho 19, 2013

'Só Deus sabe como me sinto', diz juiz ao mandar despejar 65 famílias no RN

Glaydson Paulino mora na casa invadida com a mulher e cinco filhos (Foto: Fred Carvalho/G1)“Só Deus sabe como me sinto ao ter que decidir dessa forma”. A afirmação é do juiz Cícero Martins de Macedo Filho, que determinou a reintegração de posse de 65 casas ocupadas irregularmente no conjunto Praia-mar, na zona Oeste de Natal. Na manhã desta sexta-feira (19), uma oficial de Justiça foi ao conjunto habitacional acompanhada de policiais militares. As famílias têm até a manhã da terça-feira (23) para deixar as casas.
“Profundamente triste, me vejo na obrigação de deixar aqui um apelo ao Poder Público local (estadual ou municipal), através dos seus órgãos, para que possam com urgência encontrar uma solução para acolher as famílias que, mesmo invasoras da área, necessitam também de encontrar o apoio governamental para a moradia. Infelizmente, ao Judiciário cabe essa missão difícil, por vezes triste, como neste caso, angustiante e dolorido, de ter que adotar uma solução para o caso”, disse o juiz em decisão assinada nesta quinta (18).
Cícero Martins diz ainda que compreende “a angústia e o desespero” das famílias, “que com certeza somente invadiram a área porque não conseguiram ter acesso ao programa habitacional, conforme eles mesmos afirmam. Mas no presente caso, numa ação que versa sobre uma obra pública que já se arrasta por mais de dois anos, numa situação em que outras inúmeras famílias esperam para receber suas moradias, há que se convir que a invasão, além de atentar contra a expectativa daqueles que se inscreveram regularmente no programa, dificulta e causa graves entraves ao seu andamento”.
A feirante Ediane da Silva, invasora do conjunto, diz que não vai deixar a casa onde mora há dois anos. “Não tenho para onde ir. Se a polícia vier nos tirar, vamos resistir”, falou.
O Governo do Rio Grande do Norte e a empresa Dois A Engenharia e Tecnologia Ltda, autores da ação de reintegração de posse, pedem a saída dos invasores para que as obras sejam continuadas e as casas entregues a pessoas cadastradas no programa habitacional estadual.

Para Marcos Dionísio, presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, é preciso que o governo estadual “encaixe” estas famílias em outras iniciativas de construção de unidades habitacionais. “O Estado precisa tentar minimizar os prejuízos, tentar alojar essas pessoas que terão que desocupar os imóveis, sem entrar no mérito da forma como elas entraram lá”, disse.

O agricultor aposentado Francisco Pinto da Silva, de 64 anos, é um dos invasores do conjunto habitacional. Ele contou ao G1 que pagava aluguel, mas a aposentadoria de um salário mínimo não estava sendo suficiente para pagar as despesas. Foi quando ele soube que as casas seriam invadidas e se apossou de uma. “Como uma pessoa vive com um dinheiro pouco como esse e ainda paga aluguel? Não dá, meu dinheiro não dá pra nada. Por isso eu vim pra cá”, disse. Acompanhado da esposa Francisca Garcia de Lima, de 65 anos, ele diz que não tem para onde ir. “Se tirarem a gente daqui, vamos ter que ir para debaixo da ponte”, afirmou.
O servente de pedreiro Glaydson Paulino de Andrade, de 26 anos, mora em uma das casas invadidas com a mulher e cinco filhos. O mais novo é um bebê de 4 meses. Desempregado, ele conta que invadiu a casa porque morava em um barraco atrás da casa da mãe que não tinha estrutura para os filhos. "Eu não tenho para onde ir. Como eu vou voltar a viver em um barraco com um bebê de quatro meses? Eles querem tirar a gente daqui e não querem nem saber para onde vamos, se vamos para a rua. O governo não se importa com a gente", disse.
Imbróglio judicial
Em 2008, o governo do estado lançou um projeto de erradicação de favelas na avenida Capitão-mor Gouveia. Foram cadastradas 310 famílias que receberiam unidades habitacionais construídas pelo estado com recursos do governo federal através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). De acordo com o diretor da Companhia Estadual de Habitação e Desenvolvimento (Cehab), João Felipe de Medeiros, nenhuma dessas 65 famílias que hoje ocupam as casas do conjunto foi cadastrada no programa à época.
"Essas famílias não foram cadastradas, portanto não teriam direito à essas casas. Mas o governo entende que são famílias sem condições e por isso, após a desocupação destas casas e a conclusão da construção, nós iremos convocar as famílias cadastradas e se alguma família não for encontrada ou desistir do imóvel por alguma razão, nós iremos destinar essas casas às famílias que estão lá hoje", explicou.
Segundo ele, em setembro de 2010 houve uma ocupação ordenada de 137 casas, antes mesmo do término da construção. “Não havia água, eletricidade, nem esgotamento sanitário. Mas, diante da ameaça de invasão, a Cehab autorizou a ocupação”, explicou.
As obras continuaram e em novembro de 2011 houve a primeira invasão. A Justiça autorizou a reintegração de posse e em janeiro de 2012 as famílias saíram das casas. Em julho de 2012, 65 casas foram invadidas novamente e, mais uma vez, a Justiça determinou a reintegração de posse. “A decisão judicial saiu em dezembro de 2012 e de lá pra cá nós fizemos várias reuniões com as famílias, com a participação da OAB e da Comissão Estadual de Direitos Humanos, esgotamos todas as possibilidades de diálogo até que a Justiça determinou o uso da força policial para a retirada das famílias”, disse João Felipe.
Conjunto habitacional
Segundo João Felipe de medeiros, o conjunto habitacional Praia-mar, quando concluído, terá 310 unidades, sendo 202 casas e 108 apartamentos, além de uma área de lazer com uma praça, centro comunitário e posto policial. O projeto inicial previa ainda a construção de 30 casas adaptadas e direcionadas para idosos e para pessoas portadoras de deficiência.
João Felipe disse o valor total do projeto é de R$ 9,3 milhões e já foram pagos R$ 3,4 milhões à Dois A Engenharia, empresa responsável pela construção.

Reprodução Cidade News Itaú

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