Em uma nova ação do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), quatro pastores da Igreja Cristã Maranata – incluindo seu líder histórico, Gedelti Gueiros – e um membro da igreja foram denunciados por ameaçar e coagir testemunhas. Entre os ameaçados estavam uma juíza e um promotor. As investigações foram conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) que contou também com o apoio de interceptações telefônicas, com trechos divulgados nesta quinta-feira (4) no jornal A Gazeta.
O caso ocorreu durante as investigações que apuravam o desvio de recursos do dízimo doado pelos fiéis. Dos cinco denunciados, três já estão presos: Gedelti Gueiros, além de Amadeu Loureiro Lopes e Carlos Itamar Coelho Pimenta. Eles já respondem na Justiça pelos crimes de formação de quadrilha, estelionato, apropriação indébita e duplicata simulada (nota fria), que resultaram num rombo aos cofres da igreja de R$ 30 milhões. Os outros denunciados são o ex-presidente interino do igreja, o pastor Elson Pedro dos Reis, que em março já havia sido detido pelas ameaças a testemunhas; e o bacharel em Direito Mauro Teixeira da Rosa, membro da igreja e que atua no escritório de Carlos Itamar.
Segundo a denúncia apresentada pelo Gaeco no último dia 2, a Igreja Maranata foi usada por seus líderes para auxiliar e ocultar não apenas os atos ilícitos cometidos, mas também os seus autores. Para isso, um dos caminhos foi o de desqualificar os investigadores. “Está na hora de dar uma cruzada de direita no focinho do Gaeco, do MPES, tratar como leviano, irresponsável, para ver o que vai dar”, diz o trecho de uma das conversas interceptadas.
Outra ação foi a de tentar ocultar os fatos, também registrada nas conversas telefônicas. “O processo de enriquecimento ilícito lá dentro (igreja) é uma coisa que a gente tem que negar decisivamente, até que tenha havido, a gente tem que negar”, diz o trecho de outra conversa.
Foram também utilizadas intimidações física, moral e judicial contra as testemunhas. Um exemplo foram as ações movidas na Justiça contra as testemunhas que prestaram depoimentos e até contra um promotor.
Testemunhas também foram conduzidas a cartórios, com acompanhamento de um dos acusados, para que alterassem as declarações prestadas. Foram apreendidos dossiês contra membros da igreja e ex-fiéis. E até cultos foram forjados para disfarçar as reuniões de líderes da igreja proibidos de se encontrarem pela Justiça, segundo a denúncia.
Para os promotores, as atitudes dos dirigentes da igreja em nada se assemelham a atividades religiosas. “Utilizaram a Maranata como empresa religiosa, disposta a criar um verdadeiro estado paralelo”, explicam, acrescentando que o objetivo era impedir as punições.
Novos líderes citados
Nas interceptações telefônicas citadas na denúncia apresentada à Justiça pelo Ministério Público Estadual (MPES), alguns pastores que agora estão no comando da Igreja Maranata são citados organizando, junto com os denunciados, as medidas a serem adotadas contra as testemunhas que supostamente foram ameaçadas.
Segundo os promotores, também foram alguns membros do Conselho Presbiteral que viabilizaram as condições para que os líderes da igreja – alguns deles já detidos – pudessem se encontrar em reuniões. O problema é que contra essas mesmas pessoas pesavam decisões da Justiça – as chamadas medidas cautelares – que os impedia de se encontrarem.
Algumas dessas reuniões foram agendadas no Maanaim de Domingos Martins, na Região Serrana, ou em outros prédios pertencentes à Maranata. Para os promotores, o intuito era o de burlar as decisões judiciais. Em uma das conversas, um pastor marca um encontro: “Na rádio, porque o pastor Gedelti não pode entrar em Jaburuna”, diz o trecho de uma interceptação telefônica feita pelo MPES.
São fatos, segundo os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), que justificaram o pedido de intervenção na igreja, feito à Justiça no mês de março. Há uma preocupação agora, segundo eles, com a forma como a igreja será administrada, já que desde a última terça-feira a intervenção na igreja foi suspensa por determinação do desembargador José Luiz Barreto Vivas.
Trechos de gravações feitas com autorização da Justiça
Na denúncia apresentada pelo Ministério Público, nem sempre há indicação do nome do autor das frases – citam-se, apenas, quem são as pessoas envolvidas na conversa.
Enriquecimento
(Conversa entre a assessora de imprensa da igreja Beth Rodrigues e o pastor Marco Picone)
– “Nós temos que conseguir um argumento assim factível, acreditável da vida de Gedelti, da movimentação financeira dele entre 2009 e 2011, que segundo a matéria foi quase oito vezes maior que o valor declarado ao Imposto de Renda.” Beth diz: “Porque ele pode dizer: ‘Minha sogra morreu, e eu ganhei uma fazenda, enfim, deve ter uma razão’ (...)”
Imagem
(Conversa entre Beth Rodrigues e o pastor Marco Picone e Daniel Moreira)
– “Que o ataque à igreja, enquanto instituição, é melhor para eles, do que o enfrentamento frontal a Gedelti (...) que a igreja tem mais pernas para segurar este embate que a figura de Gedelti (...) a igreja tem base muito forte, o tempo pode recuperar a imagem, já Gedelti (...)”
Crise
(Conversa entre os pastor Marco Picone e Daniel Moreira)
– “Companheiro, Sérgio informou que dona Vera, esposa de Arlínio (pastor), vai depor amanhã (...) Terão que pedir para a Bárbara (advogada) acompanhar e depois vão ter de colocar o marido dela (Arlínio) para desmentir tudo o que a esposa mentirosa disser (...)”
Contatos
(Conversa entre Gedelti Gueiros, Ailton e Joabe)
– “Ações já estão sendo agilizadas em Brasília”
Provas
(Conversa entre Daniel Moreira, Marco Picone e Beth Rodrigues)
– “Se teria como melhorar a defesa de Gedelti, pois está muito levinho (...) pois além do parecer técnico do Espírito Santo, já encomendaram outro do Rio de Janeiro (...) é esconder prova pro momento certo”
Dossiês
(Conversa entre Daniel Moreira e pessoa não identificada)
– “Companheiro, preciso daquelas pastas sobre os nossos acusadores, ok?” “Ok. Estamos montando mais um jogo”.
Reuniões
(Conversa entre pastores Valério e Antonio Angelo. O último foi vice-presidente denunciado pela igreja como responsável pelos desvios)
– “Gedelti ligou para Walace, ele quer fazer uma gravação em vídeo amanhã, às 8h.
Quer fazer na rádio porque não pode entrar em Jaburuna, né?”
Ações
(Conversa entre Daniel Moreira Marco Picone)
– “Ontem, após uma reunião de oração ‘nosso amigo’ comentou com o Sérgio sobre uma ação de reparação de danos, e o Sérgio deu também uma ideia (...) preparar um material e colocar à disposição de quem quiser para entrar em juizados especiais com ações contra o jornal”
Jornal
(Conversa entre os pastores Daniel Moreira e Marco Picone)
– “(...) vão entrar com esse grupo de ações (...) eu vou aprovar e depois ele entra, tudo dentro da estratégia (...) dará um trabalho tremendo ao jornal, pois terão que viajar todo o Brasil para ver isso (...)” Daniel diz “que foi o Varella que deu essa ideia do juizado especial e mostraria um padrão que espalhasse para quem quisesse o material à disposição (...)”
Irregularidades
(Conversa entre Daniel Moreira e Beth Rodrigues)
– “O que eu quero dizer é que como uma instituição (igreja), ela tem que negar que as pessoas enriqueçam lá dentro (...)” “Quem quer que seja pode ter cometido uma, duas, ou três irregularidades, mas o processo de enriquecimento ilícito lá dentro é uma coisa que a gente tem que negar peremptoriamente (decisivamente), até que tenha havido, a gente tem que negar, né (...)”
Gaeco
(Conversa entre os pastores Daniel Moreira, João Batista e o advogado Gustavo Varella)
– “Acha que está na hora deles baterem, de dar um nocaute (...) Varella complementa: (...) mas dar uma cruzada de direita no focinho do Gaeco e do Ministério Público, tratar como leviano, irresponsável (...)”
O outro lado
O advogado Gustavo Varella, que faz a defesa de três dos cinco denunciados, classificou a ação do Ministério Público Estadual como “uma verdadeira piada de mau gosto”. Ele destaca que não pode ser atribuída a Gedelti Gueiros, por ser o líder espiritual de maior expressão da igreja, todas as ações ocorridas na Maranata. “Isso é brincadeira. Mostra preconceito e desconhecimento dos promotores em relação ao funcionamento da Igreja Maranata”, assinalou Varella.
O advogado diz ainda que as acusações contra o pastor Amadeu Loureiro não procedem. Informa que Loureiro era amigo de longa data da testemunha que teria sido ameaçada. Prova disso, segundo ele, é que a esposa da testemunha teria ligado para o pastor Amadeu, logo após a sua saída da prisão, ocorrida em março deste ano. Na ocasião, ela informou que as acusações contra Amadeu não passavam de um mal-entendido e que não houve nenhum tipo de ameaça. “Há até um e-mail que confirma isso. Vamos provar na Justiça”, disse Varella.
Já o pastor Elson Pedro dos Reis – explica o advogado – teria sido penalizado por estar presente no momento em que teria acontecido a suposta ameaça. “É uma ação absurda, sem propósito!”, acrescentou.
Varella e a assessora Beth Rodrigues preferiram não se manifestar sobre a citação de seus nomes nas interceptações telefônicas citadas na ação. Apesar das tentativas, os advogados de Carlos Itamar e Mauro da Rosa não foram localizados.
Reprodução Cidade News Itaú
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