Os Ministérios Público Federal e Estadual de Goiás suspeitam que o grupo BBom não tenha todos os rastreadores oferecidos aos associados. Em entrevista coletiva nesta quinta-feira (18), a procuradora da República Mariane Guimarães e o promotor Murilo Miranda apontaram esse como mais um indício de formação de pirâmide financeira, prática ilegal no país.
Por decisão judicial, a BBom teve as atividades suspensas e os bens bloqueados.Durante a coletiva, a procuradora e o promotor não souberam informar a quantidade exata de associados ou de rastreadores oferecidos mediante taxa de adesão e pagamento de mensalidade por um prazo determinado. A procuradora Mariane Guimarães disse ter constatado no site Reclame Aqui mais de 1.200 reclamações de associados que nunca receberam os rastreadores.
Outro ponto destacado pelos MPs é o fato da empresa não ter informado a quantidade exata de rastreadores negociados em comodato. “Estranhamente, ela só informa nos autos uma amostragem, que seria de 14 mil equipamentos negociados. Também demonstra ter adquirido 70 mil aparelhos para vendas futuras”, diz Guimarães.
“Nós acreditamos que a empresa que fornece esses rastreadores não tem condição de fornecer os aparelhos que a BBom precisaria ter para atender a quantidade estratosférica de consumidores para os quais ela vendeu”, avaliou.
Por meio de nota enviada por sua assessoria de comunicação, a BBom informou ao G1 que comprou 1.250.000 rastreadores, sendo que 30 mil já foram entregues, 75 mil estão em estoque, 145 mil, em trânsito, e 1 milhão de aparelhos serão entregues seguindo a previsão de entrega dos fornecedores.
“Estamos seguindo uma programação de entrega de acordo com a data de solicitação do rastreador pelo associado. Em até 60 dias todas as solicitações serão atendidas, conforme o cronograma de solicitação”, diz a nota.
‘Dinheiro fácil’
Os MPs estimam que o grupo tenha mais de 1.500 associados. “Muitos deles possuem várias cotas”, explica Murilo Miranda. Por isso, acreditam que o número informado é insuficiente para atender todos os clientes.
Para a procuradora, o consumidor muitas vezes entra sem ter um interesse real no produto e querem apenas “ganhar dinheiro fácil e rápido com o aliciamento de novos operadores”. Guimarães explica que o valor cobrado por comodato, de R$ 80, não é competitivo. “Esse valor é altíssimo. Nós apuramos que várias empresas que vendem esses rastreadores praticam preços bem mais razoáveis, que varia de R$ 30 a R$ 50 de aluguel”, afirma.
A procuradora e o promotor reafirmaram que, como em outros casos emblemáticos de pirâmide financeira, o rastreador oferecido pela BBom seria apenas uma “isca” para recrutar novos associados, como ocorreu com a “Avestruz Master”.
Lucro de 3.000%
Chamou a atenção de procuradores e promotores o patrimônio dos sócios proprietários da empresa e crescimento exponencial dos lucros da BBom em um curto espaço de tempo. “O rastreador não é um produto popular para ter um apelo comercial que justifique um aumento de lucro de 3.000% em um espaço de três meses.
Sem divulgar o valor do patrimônio dos sócios proprietários do grupo, a procuradora destacou que é uma “quantia preocupante”. O dado, segundo o promotor Murilo Miranda, não pode ser divulgado por determinação judicial.
Para Mariane Guimarães, esses pontos reforçam a tese da prática de pirâmide financeira. “Diferente de uma empresa de marketing multinível séria, o foco principal dela não é a venda do produto, e sim o recrutamento de novos divulgadores, para que esses novos divulgadores, num esquema piramidal, ganhe dinheiro recrutando mais e mais”, argumenta.
A suspeita da prática de pirâmide financeira levou os ministérios públicos estaduais e federais de 20 estados a organizarem uma força-tarefa para combater a prática ilegal no país.
Bloqueio de bens
“Nós, num primeiro momento, solicitamos o bloqueio de todas as contas, bens móveis e imóveis desse grupo, para resguardar um dinheiro que a gente pensa, no final da ação, em devolver para os consumidores que forem lesados. Num segundo momento, solicitamos que a empresa fosse impedida de fazer novos associados, para evitar que novos consumidores venham a ser lesados”, argumenta a procuradora.
Os pedidos foram acatados pela juíza federal substituta da 4ª Vara Federal de Goiânia, Luciana Laurenti Gheller. No dia 10 de julho, ela determinado a indisponibilidade dos bens da empresa e de seus sócios por “robustos indícios” de pirâmide financeira. Estão bloqueados R$ 300 milhões em contas bancárias do grupo, além de cerca de 100 veículos, incluindo motos e carros de luxo como Ferrari e Lamborghinis.
Em uma segunda liminar, na quarta-feira (17), a juíza determinou a “imediata suspensão” das atividades desenvolvidas pela empresa Embrasystem, conhecida pelos nomes fantasia BBom e Unepxmil, e proíbe o cadastro de novos associados bem como a captação de recursos financeiros junto aos associados que já integram a rede, “incluindo a percepção das mensalidades cobradas”. A decisão é provisória e ainda cabendo recurso.
Em nota divulgada na quarta-feira (17), a BBom informou que “está tomando as providências judiciais cabíveis para retirar todo e qualquer impedimento às suas atividades” e diz estar “à disposição das autoridades para prestar os esclarecimentos que forem solicitados”. A BBom sempre negou irregularidades ou a prática de pirâmide e se identifica como “empresa especializada em canal de vendas direta e marketing multinível”.
Marketing multinível
Na decisão, a juíza federal destacou também as diferenças entre o modelo de negócios denominado “marketing multinível” ou “marketing de rede”, e o golpe conhecido por “pirâmide financeira”.
No marketing multinível, o faturamento é calculado sobre as vendas dos produtos e a venda do produto é a base de sustentabilidade do negócio, destacou a juíza. Já no esquema de pirâmide, os participantes são remunerados somente pela indicação de outros indivíduos para o sistema, sem levar em consideração a real geração de vendas de produtos, o que acaba por tornar o negócio insustentável, uma vez que é matematicamente impossível atrair novos participantes para uma rede que se funda unicamente nos pagamentos realizados pelos associados.
Pelo modelo da BBom, os interessados se associam mediante o pagamento de uma taxa de adesão, que varia de R$ 600 a R$ 3 mil, de acordo com o plano escolhido. Depois disso, a pessoa se compromete a atrair novos associados e a pagar uma taxa mensal no valor de R$ 80, pelo prazo de 36 meses, segundo a investigação do MP. Quanto mais participantes o associado consegue trazer para a rede, maior é a premiação prometida.
“Este tipo de esquema é coisa antiga. Mas com as redes sociais ganhou um fermento potencial inimaginável. Hoje, estas empresas crescem de maneira rápida demais e aprendemos que quanto antes se consegue intervir e bloquear menor o prejuízo para as vítimas”, destacou a procuradora.
A prática de pirâmide financeira é proibida no Brasil, configurando crime contra a economia popular (Lei 1.521/51).
Reprodução Cidade News Itaú via Robson Pires
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