Com grande movimentação na entrada do Fórum de Marabá (a 685 km de Belém), começou por volta das 9h desta quarta-feira (3) o júri popular dos três acusados de matar o casal de extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, em maio de 2011, em Nova Ipixuna (582 km de Belém).
José Rodrigues Moreira, Lindonjonson Silva Rocha e Alberto Lopes do Nascimento, que estão presos preventivamente desde setembro de 2011, são acusados de homicídio com três qualificadoras: motivo torpe (disputa por posse de terra), meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa das vítimas.
O extrativista José Maria Gomes Sampaio foi a primeira testemunha de acusação a depor hoje, perto das 10h. Ele afirmou que havia um desentendimento notório entre José Rodrigues (acusado de ser o mandante do crime) e as vítimas e que Rodrigues teria expulsado agricultores assentados do projeto, o que gerou protestos do casal.
"Maria contou que estava sendo ameaçada por José Rodrigues. Disseram a ela que era para tomar muito cuidado, que ele ia vingar deles dois", afirmou.
A testemunha disse ainda que, além das ameaças de Rodrigues, o casal tinha sido ameaçado em 2005 por madeireiros. "Eles incomodavam quem tinha ocupação irregular no local", disse.
O caso está sendo julgado na Vara da Violência Doméstica e do Tribunal do Júri, um ano após aceitação da denúncia pelo juiz Murilo Lemos Simão. A previsão é que o julgamento seja encerrado na noite da quinta-feira (4). O juiz não autorizou a captura de imagens do julgamento.
Antes do início do júri, dezenas de pessoas de movimentos sociais e trabalhadores rurais participaram de um ato ecumênico em uma tenda montada para realizar vígila durante a realização do julgamento. Cruzes e faixas de familiares e instituições foram colocadas na porta do Fórum, pedindo a condenação dos três acusados.
Como só existem 90 lugares no auditório do Fórum, dezenas de militantes, amigos, estudantes e advogados foram barrados na entrada do auditório, que ficou lotado logo cedo. Até mesmo familiares das vitimas e dos réus tiveram acesso limitado.
O policiamento foi reforçado com a presença de militares do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais). Cerca de 30 militares fazem a vigilância do prédio.
Nesta terça-feira (2), a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República divulgou nota pedindo que os jurados "tenham a sensibilidade e a firmeza em defender os Direitos Humanos e tornar esse caso um exemplo na consolidação da Justiça e um marco na proteção dos defensores de Direitos Humanos. Que os assassinos sejam punidos com rigor, evitando a perpetuação da impunidade no país."
Acusação e defesa
Segundo as investigações, o casal foi morto na zona rural do município de Nova Ipixuna, quando passava de moto por uma ponte.
Eles foram vítimas de uma emboscada, alvejados a tiros e mortos. Antes de ser assassinado José Cláudio teve parte da orelha direita arrancada "como prêmio pela execução do delito", segundo a denúncia do MPE-PA (Ministério Público Estadual do Pará), autor da denúncia.
O MPE-PA sustenta que o motivo do crime foi a disputa pela posse de terra adquirida pelo réu José Rodrigues –que havia comprado dois lotes na área do projeto extrativista, porém um dos lotes estava ocupado por pessoas que contavam com o apoio das vítimas. Por isso os extrativistas passaram a receber ameaças de Rodrigues, acusado de ser o mandante do assassinato.
Para o MP-PA, a morte ocorreu "objetivando afastar qualquer impedimento para adquirir a posse da terra". "José Rodrigues planejou, organizou e financiou o duplo homicídio", diz a denúncia.
No processo, como o crime não foi presenciado por nenhuma testemunha, o MPE aponta uma série de indícios para acusar os três réus que serão julgados. Segundo a denúncia, os acusados foram vistos em um bar a aproximadamente 3 km do local do crime. Eles teriam sido vistos em uma moto antes e após o crime, já em suposta fuga.
Outro ponto alegado pelo MPE-PA é que no local do crime foi encontrado um capuz de mergulho, indício da participação do acusado José Rodrigues, que ele teria em sua propriedade equipamentos de mergulho. Além disso, exame de DNA apontou compatibilidade para os dois acusados.
Já a defesa dos réus vai usar a negativa de autoria como tática no júri. O advogado dos dois acusados, Wandergleisson Fernandes Silva, não só nega o crime como diz que há falhas graves na investigação e acusação. Segundo ele, os investigadores apresentam "indícios forjados" para fazer a denúncia.
"No YouTube você encontra o José Cláudio e a mulher, nos EUA, falando que estavam sendo ameaçados por fazendeiros, carvoeiros e madeireiros. Eles defendiam a natureza, e isso atinge diretamente os interesses econômicos dessas pessoas. Não havia conflito nenhum entre os acusados e a vítima. Eles mal se conheciam. Foi uma montagem, uma farsa para pegar pessoas como bode expiatório devido às pressões internacionais. Esse é um caso com interesse governamental", disse.
Segundo o advogado, há relatos de que as vítimas eram ameaçadas havia mais de dez anos. "As pessoas que foram acusadas moravam na região havia dez meses, não eram fazendeiros, carvoeiros ou madeireiros. É estranho isso. Por conta da pressão internacional, o caso foge à esfera local e tem um contexto um pouco mais complexo."
Para Silva, o casal pode ter sido vítima de vingança, porque, segundo o advogado, José Cláudio e os irmãos seriam acusados de homicídio. "Os irmãos dele estão foragidos. Se estivesse viva hoje, a vítima estaria presa ou estaria foragida. Eles mataram uma pessoa, e vamos entrar também nessa linha de raciocínio", afirmou.
Sobre as provas apresentadas pelo MPE, o advogado desqualifica e questiona, por exemplo, o exame de DNA que teria apontado para "compatibilidade" com o material genético dos acusados. "Devido à baixa qualidade do material, o DNA teve de ser feito de maneira especial e apontou para 'compatibilidade materna'. Ora, se cem pessoas estiverem numa sala, vai dar compatível com 50. É uma total imprecisão e isso não pode ser usado como uma prova. Isso vai ser explorado com calma na hora do júri", disse.
Outro ponto questionado é o de que os acusados foram vistos nas proximidades do local do crime. "Nós pegamos os registros da operadora Vivo e ficou comprovado que um dos acusados, que seria o autor do disparo, o Lindonjonson, estava no município de Novo Repartimento, numa localidade conhecida como Maracajá, a centenas de quilômetros de distância do local do crime. Ele precisaria de seis a sete horas para chegar ao local do crime. Além disso, temos testemunhas", afirmou.
Repercussão
O crime, ocorrido no dia 24 de maio de 2011, teve repercussão internacional por ser mais um caso de assassinato de militante de defesa da natureza na região da Amazônia. O caso já integra o rol de mortes emblemáticas por questões agrárias no Norte, como a do seringueiro e sindicalista Chico Mendes (morto em 1988) e da missionária americana Dorothy Stang (assassinada em 2005).
O julgamento atraiu a atenção não só os paraenses militantes de movimentos sociais, mas organizações de direitos humanos nacionais e internacionais. Por conta do crime, familaires da vítima passaram a viver sob ameaças e saíram do assentamento. Apenas uma das irmãs de Maria do Espírito Santo vive no local.
Uma das instituições que está na cidade do sudeste paraense é a Anistia Internacional, que marca presença com o diretor-executivo do Brasil.
"Vamos acompanhar o julgamento, pois esse crime faz parte de um padrão. Temos visto nos últimos anos ameaças à vida de pessoas que estão defendendo os direitos importantes, como era o caso do casal. A gente espera chamar a atenção para o problema", disse.
Segundo a RLA (Fundação Right Livelihood Award), que também está em Marabá, a região do Pará registra a mais violenta disputa por terras do mundo.
O movimento Humanos Direitos também está com três integrantes chegaram a Marabá na tarde desta terça-feira para acompanhar o júri. "Nossa ideia é dar uma contribuição para que as pessoas que vão participar desse júri tenha noção da gravidade do caso, que precisa de um veredito exemplar para evitar essa guerra que existe no campo", disse o ator Osmar Padro, que acompanha o julgamento.
Reprodução Cidade News Itaú
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