Rosmari Aparecida Rosa, de 53 anos, nunca imaginou que as fortes dores que sentia nas costas teriam relação com um acontecimento de 37 anos atrás. Aos 16 anos, após terminar um namoro de três meses, ela foi apunhalada nas costas pelo ex-companheiro. Socorrida ao pronto-socorro de Sorocaba (SP), Rosmari recebeu três pontos no corte e foi para casa, sem saber que um pedaço da lâmina tinha ficado alojada em seu ombro e causaria dores terríveis por mais de três décadas.
"Achei que as dores, que tive durante esses anos, eram por eu fazer muito esforço, porque eu sempre trabalhei pesado, em olaria e também como doméstica. Mas não imaginava que elas [as dores] seriam por causa da facada", disse, surpresa, logo após a realização de um simples examde de raio-x que mostrou o objeto em seu corpo. "Quando fui atacada [aos 16 anos], pensei que fosse um soco. Só senti uma batida nas costas e desmaiei. Depois que foram me falar que eu tinha levado uma facada."
Rosmari preferiu esquecer o dia em que foi agredida e passou a guardar a história para si. Mas, com o passar do tempo, a doméstica começou a sentir muitas dores nas costas, o que a levou a procurar vários médicos. "Foram anos e anos indo ao médico e ouvindo que o meu problema era muscular, ou mesmo tendinite e bursite. Sempre eram esses os diagnósticos. E a dor só passava quando eu tomava injeção", lembra.
A doméstica chegou a ser submetida a sessões de fisioterapia, prescrita por um dos médicos que a atendeu durante esses anos. "Eu fiz de tudo, tomava choque, ligavam uns fios em mim, depois um banho de luz em um forno, alongamento e ginástica. Mas nada disso adiantava", relata, lembrando das noites que passou chorando de dor.
Raio-X revelador
Em outubro de 2012 um dos médicos que a atendeu pediu um exame de ressonância magnética. Logo após a realização do exame, as dores nas costas da doméstica aumentaram ainda mais e ela chegou a ficar com uma "bola" nas costas, tamanho o inchaço provocado pela ressonância, que fez com que o pedaço do objeto se mexesse dentro do organismo de Rosmari.
Com o aumento das dores no ombro, Rosmari foi novamente atrás de atendimento, mas com outro médico, da Policlínica de Sorocaba. O ortopedista Walberto Kushiyama ouviu pela primeira vez as queixas da paciente e solicitou vários exames para descobrir as causas das dores, entre eles o raio-x.
No momento do exame, contou a doméstica ao G1, os enfermeiros ficaram surpresos. "Assim que eles tiraram a primeira 'chapa', falaram para eu tirar o sutiã e ver se tinha alguma coisa no meu cabelo, porque algo estava aparecendo no exame. Daí eles tiraram de novo e o mesmo corpo estranho apareceu próximo ao meu ombro. Foi aí que eles viram a cicatriz que eu tenho na região, que é pequena, e me perguntaram o que era, e eu contei da punhalada."
A doméstica foi orientada a procurar o médico imediatamente. "Foi só aí que eu contei a história para o doutor, que logo afirmou que eu tinha um pedaço do punhal no meu ombro, porque pelo exame dava para perceber que era um objeto pontudo e que eu ia precisar retirá-lo."
Kushiyama conta que Rosmari nunca mencionou que as dores que sentia poderiam estar relacionadas a um fato do seu passado. "Ela veio até mim com a queixa de várias dores, na parte cervical e lombar, e pedi os exames. Foi um achado radiográfico, porque só depois que eu pedi o exame para investigar as causas das dores, que ela se sentiu a vontade de contar a história."
Segundo o médico, apesar das dores, o risco de morte para a doméstica foram mínimos, já que o objeto ficou alojado em uma área segura. "O maior perigo que ela correu foi de uma infecção no momento da punhalada, depois não mais, porque o punhal não atingiu uma área de risco."
Negligência médica?
Em entrevista ao G1, o médico e coordenador de serviços da Policlínica de Sorocaba, Oslan Ferreira, explicou que o caso da Rosmari surpreendeu a todos na unidade hospitalar por causa do tempo em que o objeto esteve no seu organismo sem que ela - nem ninguém - desconfiasse. Porém, conforme ele explicou em entrevista, há 37 anos as técnicas utilizadas para diagnosticar o caso eram outras, por isso não se pode afirmar que houve negligência medica.
“Há 37 anos a medicina era outra. O médico que a examinou achou que era um ferimento simples, conteve a hemorragia e fechou. Hoje em dia não seria mais assim. Teríamos colocado o dedo no corte, examinado se tem algo. Mas isso é uma técnica nova ao compararmos com a época”, explica Ferreira.
Além disso, o coordenador ainda ressaltou a importância do paciente contar tudo para o médico no primeiro contato. “Todo diagnóstico começa com a história do paciente”, lembra Ferreira, que acredita que, provavelmente, Rosmari tenha omitido a história da punhalada por tantos anos pelo constrangimento e por achar que ia ser julgada, de alguma forma, por causa disso.
Cirurgia
A cirurgia de Rosmari para a retirada do objeto foi feita na Policlínica de Sorocaba na última semana. A doméstica estava muito nervosa antes da cirurgia e parecia não acreditar que estava passando por tudo isso. “Às vezes eu tento esquecer, mas daí eu me lembro da cena e percebo que é verdade, é real o pedaço de metal no meu ombro”, desabafou Rosmari, que não conseguiu esconder a emoção ao saber que iria se livrar das dores que conviveu por tantos anos.
Após cerca de 40 minutos de cirurgia, o médico conseguiu retirar o objeto do corpo de Rosmari, que ficou acordada durante todo o procedimento e pediu para que o médico mostrasse para ela o pedaço do punhal, ao qual reagiu com um sincero “cruz credo”. “O organismo dela isolou o material com uma capa fibriótica. O pedaço do metal estava bem profundo, foi difícil de achar, pois estava próximo de um músculo, mas, por fim, deu tudo certo”, explicou o cirurgião plástico Décio Portella.
Nova vida
Logo após a cirurgia, Rosmari já se sentia muito melhor e até chegou a dizer que estava totalmente recuperada das dores que sentiu durante todos esses anos em que o pedaço do punhal estava alojado em seu corpo. “Quando eu deitei na maca eu estava com muita dor, mas depois que tiraram o 'espeto' e eu levantei, não senti mais dor nenhuma, eu até estranhei”, contou, aliviada.
A partir de agora, a doméstica espera poder continuar fazendo os seus afazeres, mas, dessa vez, sem as dores que a acompanharam por quase quatro décadas. “Eu quero ficar boa, continuar trabalhando, fazendo os meu bicos, continuar vivendo como antes, mas sem sofrimento, sem dores mais.”
Reprodução Cidade News Itaú
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