Em 2012, as duas maiores instituições esportivas do Brasil, CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e COB (Comitê Olímpico Brasileiro), ganharam, somadas, mais de $ 513 milhões. Caso o número não impressione, é só olhar para a maneira como esse dinheiro é usado para ver que, além do poder, as duas dividem também uma preferência: o gasto em itens de burocracia.
Após a divulgação dos balanços financeiros anuais das duas entidades, o UOL Esporte pediu que dois especialistas em gestão esportiva fizessem uma análise sobre os números apresentados. E as duas conclusões foram parecidas: tanto CBF, quanto COB arrecadam muito e não entregam o suficiente para fomentar o esporte no Brasil.
“Essess valores são fruto da valorização das entidades por conta de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos. Se fizermos a análise dos últimos anos, desde 2008 a CBF tem conquistado novos negócios. O mesmo acontece com o COB, que após a escolha do Rio aumentou o faturamento, especialmente a partir de 2011. O que acontece é que as duas entidades são talvez as mais ricas do mundo ao lado de Fifa e COI (Comitê Olímpico Internacional). Isso só acontece porque a indústria do esporte no Brasil ainda é fraca. O grosso do investimento concentra nas entidades nacionais, quando nos outros mercados a verba é mais pulverizada para atletas, clubes, etc”, fala Erich Beting, blogueiro do UOL e especialista em negócios do esporte.
A notícia não é nova, mas os números de 2012 comprovam que as duas principais entidades esportivas brasileiras estão muito bem quando o assunto é geração de receitas. No COB, o aumento da arrecadação, em relação a 2011, foi de quase 22%, pulando de R$ 110 milhões para R$ 134 milhões. Na CBF, as cifras impressionam ainda mais: de R$ 310 mi para os atuais R$ 381,2 mi – o aumento foi similar ao do COB.
A diferença fica por conta da origem das receitas. Enquanto nos esportes olímpicos, 70% da arrecadação chega de verbas públicas (principalmente da Lei Piva, que destina parte do dinheiro das loterias), o futebol é bancado por patrocinadores. “O investimento em esporte no Brasil ainda é visto de forma muito baseada em exposição. Isso faz com que o COB, por não representar o futebol, precise mais da verba pública. Logicamente é cômodo hoje ter tanto dinheiro vindo de entes públicos. E isso mostra uma certa acomodação do COB em buscar empresas privadas. Ou a própria dificuldade que essas empresas têm em enxergar negócio além da exposição maciça da marca”, fala Beting.
O bom resultado da CBF, por outro lado, é resultado de uma tática de busca pelo mercado global com a seleção brasileira – a mesma entidade, porém, tem normas restritivas para que seus clubes filiados façam o mesmo. O maior exemplo disso é que, para que um time brasileiro faça excursões no exterior, necessárias para que o clube seja conhecido fora das fronteiras, é preciso, além de encontrar uma brecha no calendário lotado do esporte nacional, obter autorização da CBF.
“A CBF fatura muito, graças à valorização do futebol brasileiro e a força de nossos clubes. A marca é a única global do nosso futebol. E o modelo é único no mundo, já que nas principais ligas da Europa os clubes são infinitamente superiores às confederações. São marcas muito mais globalizadas”, diz o especialista Amir Somoggi, consultor em gestão e marketing esportivo, responsável pelos números usados na matéria. “A CBF arrecada R$ 235,6 em patrocínios. Isso mostra como é possível arrecadar muito com quem está interessado em uma marca global do futebol. Os clubes estão muito abaixo, porque vivem do mercado local apenas”.
Com isso, é válida a comparação das arrecadações das duas entidades com os clubes de futebol, que vivem uma explosão em suas receitas nos últimos anos. Se a CBF fosse um deles, seria líder da lista de mais ricos – em comparação com os balanços de 2011 dos clubes, a confederação ganhou mais de 30% a mais do que o Corinthians, atualmente o clube que mais arrecada por aqui. O COB também apareceria na lista de mais ricos, no 10º lugar, à frente de clubes tradicionais como Cruzeiro, Atlético-MG e Fluminense – e pouco abaixo de Palmeiras, Grêmio e Vasco da Gama.
Modelo gera burocratização
Outra tendência que os balanços comprovaram é a enorme dependência das duas entidades em gerar gastos em burocracia para sua manutenção. Uma olhada no balanço do COB é ideal para entender esse modelo. A entidade lista R$ 4,305 milhões em salários e encargos trabalhistas. O valor é superior ao repasse, listado no balanço, destinado a quase todas as confederações esportivas nacionais. A única exceção é a de handebol, que recebeu 4,383 milhões.
Em uma categoria chamada de custeio próprio, o COB gastou R$ 35,6 milhões em 2012. Esse item engloba despesas administrativas e custos salariais. O valor é significativo, principalmente quando se olha o repasse total para as modalidades, principal função da Lei Piva, que destina 2% das verbas arrecadadas com loterias federais ao esporte: R$ 45 milhões são repassados para as confederações, um aumento de 9% em relação ao ano anterior. Além disso, os custos com consultorias e serviços de terceiros também são altos, chegando a R$ 10,4 milhões em 2012.
Na CBF, o quadro é parecido. As duas maiores despesas da entidade são administrativas (R$ 73,5 milhões) e com pessoal (R$ 50,6 mi). Tirando o item em terceiro lugar da lista de gastos, competições (R$ 44,1 mi), os dois seguintes também são burocráticos, com serviços de terceiros (R$ 24,9 mi) e impostos (R$ 64,9 mi).
Pelo menos no caso do COB, essa “taxa de administração” é uma tendência da Era Nuzman: desde que Carlos Arthur Nuzman foi eleito presidente, foi criado um modelo de gestão que gasta em burocracia muito mais do que era originalmente previsto.
Quando a legislação foi criada, em 2001, a ideia era usar 60% da verba restante com as confederações, separar 10% para a criação de um fundo de reserva e ficar com apenas 30% para administração. Mas, de 2001 a 2011, o COB ficou, em média, com 43,5% do que recebeu. Esse dinheiro é gasto de diferentes formas, desde participações em competições esportivas até o investimento em projetos ousados, como as candidaturas do Rio de Janeiro para receber as Olimpíadas de 2012 e 2016.
O total destinado às confederações (que não inclui a CBF) variou, no período, de 79,2% em 2002 a 42,6% em 2007, ano em que os Jogos Pan-Americanos do Rio consumiram o orçamento do COB. Em 2012, essa porcentagem foi de 49%.
As críticas dos especialistas
Com esse cenário pintado, os especialistas ouvidos pela reportagem tem críticas para as duas entidades. “Com um faturamento deste tamanho, o COB deveria fomentar muito mais o esporte, aumentando os repasses para as confederações. Olhando esses números, acho que o COB precisa sofrer um choque de gestão para reduzir suas despesas de custeio”, diz Somoggi.
“A CBF também estimula muito pouco o futebol brasileiro, embora seja essa uma de suas atribuições. Ela não promove as competições, não desenvolve aquelas que são deficitárias e dificulta que os clubes se fortaleçam, já que são obrigados a jogar em um calendário caótico, sem potencial comercial. Os clubes acabam ficando muito restritos em termos de crescimento”, analisa. “Parte deste recurso poderia ser usado para alavancar o futebol brasileiro, desenvolver pesquisas, criar mecanismos de fomento ao futebol base, ciências do esporte... Acredito que se os clubes se estruturarem e conseguirem expandir suas marcas, vão superar a CBF em arrecadação, atraindo os grandes patrocínios que hoje estão com a seleção”, completa.
A visão de Beting é parecida. “Hoje, por incrível que possa parecer, o artista é quem menos fatura. A fatia da verba das empresas que vai para os atletas é a menor entre tudo o que se investe no esporte no país. Em locais com a indústria mais desenvolvida, o atleta é uma ponta forte da indústria. Ele tem patrocínios pessoais, salários altos e fica com boa parte do bolo de investimentos. No Brasil, o atleta ainda se vê como o ‘coitado’, reclamando da falta de incentivo sem perceber que o dono do show é ele, e que tem de fazer jogo duro para faturar mais”, afirma. “Com a ponta que deveria ser a forte enfraquecida, e com uma estrutura esportiva enraizada nas federações e clubes, o esporte direciona a verba para o topo da pirâmide. E isso gera uma distribuição desigual de receita. As entidades representativas de classe, que são a ponta final de toda a indústria, recebem os melhores patrocínios. Depois estão os clubes, também com uma distribuição desigual, com muita verba para poucos. E, por fim, estão os atletas, que raramente ganham mais do que o salário”.
Reprodução Cidade News Itaú
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