Suspeito de ter pago parte da reforma do apartamento do deputado federal Gabriel Chalita (PMDB-SP), o grupo educacional COC vendeu R$ 9,1 milhões em softwares para a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo na época em que Chalita era o titular da pasta, entre 2002 e 2006. Atualizadas pela inflação, essas vendas somam R$ 14,1 milhões. Todas contratadas sem licitação.
As transações foram feitas por empresas do grupo COC, do empresário Chaim Zaher, que é investigado sob acusação de ter gasto US$ 600 mil na reforma de um apartamento de Chalita, em 2005, de ter dado presentes e bancado deslocamentos de helicóptero do agora deputado.
Nas vendas do COC para a secretaria do governo paulista, todas as dispensas de licitação foram obtidas por meio do uso de atestados de exclusividade em que a própria empresa fornecedora declara que não há softwares similares disponíveis no mercado.
Esses atestados foram emitidos por uma entidade chamada Associação Brasileira de Empresas de Software.
Após a saída de Chalita da Educação, as empresas de Zaher nunca mais venderam software para a secretaria.
Zaher informou inicialmente que vendera R$ 2,5 milhões para a secretaria sob Chalita. O valor de R$ 9,1 milhões foi calculado pela Folha em levantamento no "Diário Oficial" e confirmado pela FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), órgão que cuida das compras para as escolas. A atualização dos valores foi feita pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
SEM ANÁLISE
Em pouco mais de dois anos, a FDE comprou mais de 100 mil cópias de softwares do COC voltados para disciplinas como português e matemática. Adquiriu ainda kits para ensinar princípios de eletricidade.
A Folha apurou com dois técnicos da FDE que trabalharam na gestão de Chalita que as compras do COC seguiam uma espécie de via rápida no órgão: não passavam por análise pedagógica, como determina norma da fundação. Os dois falaram sob a condição de omissão de seus nomes.
Uma das compras, de 70 mil softwares e em lotes, foi concluída em um mês, entre dezembro de 2005 e janeiro de 2006, segundo documentos que estão no Tribunal de Contas do Estado.
Esse contrato foi assinado por Milton Leme, que foi sócio de uma empresa do COC enquanto trabalhava na FDE, num cargo público conquistado por indicação de Zaher.
Os programas, que segundo o próprio COC jamais haviam sido vendidos e por isso não havia preços de referência no mercado, eram para português, matemática, história, geografia e ciências.
Em um mês, ainda segundo técnicos ouvidos pela reportagem, não haveria tempo de analisar software para uma única disciplina. Muito menos para adaptá-lo, já que os programas vendidos eram versões de softwares americanos ou europeus.
Nos Estados Unidos, o kit para ensinar eletricidade era recomendado para crianças a partir de 7 anos. Mas o governo paulista o comprou para o 3º ano do ensino médio, quando os alunos têm 16, 17 anos. Esse kit foi vendido uma única vez no Brasil, para a FDE.
Muitos dos softwares nem chegavam às escolas, segundo o analista de sistemas Roberto Grobman, que diz ter trabalhado com assessor de Chalita e o acusa de ter beneficiado o COC. Eram deixados em depósitos da FDE, diz ele.
A Folha tenta há uma semana obter da FDE documentos que comprovem a distribuição e o uso dos softwares pelas escolas. A fundação diz que não acha os recibos.
Na noite de sexta, a FDE disse, sem apresentar comprovantes, que os kits foram distribuídos para as delegacias regionais de ensino e que houve treinamento de professores. O texto, porém, não fala sobre o uso por alunos.
OUTRO LADO
O deputado Gabriel Chalita disse em nota que a FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação) é "independente da Secretaria da Educação e possuiu um quadro de funcionários altamente qualificado e que, ao comprar softwares educacionais, averiguou questões como qualidade e preço".
Chalita diz que os contratos foram aprovados pelo Tribunal de Contas do Estado.
Também por meio de nota, a FDE disse que a dispensa de licitação para compra de softwares obedeceu à legislação. Um dos artigos da lei prevê a dispensa quando há fornecedor exclusivo.
Ainda segundo FDE, os programas do COC foram distribuídos para delegacias regionais, e professores receberam treinamento para o uso.
O empresário Chaim Zaher afirmou em nota que "todas as vendas feitas a órgãos públicos [...] seguem estritamente a lei". Segundo ele, a exclusividade do software, argumento usado para dispensa de licitação, "sempre foi comprovada na forma exigida pela legislação".
A Associação Brasileira de Empresas de Software disse que, para emissão de certidões, primeiro se atesta que a empresa seja dona ou licenciada do produto, sendo informada de que pode responder criminalmente caso dê informação falsa.
A entidade diz que exige prova documental, como registro no Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e outras certidões.
O advogado de Milton Leme, Paulo Morais, diz que a compra de 70 mil softwares foi concluída em um mês pela FDE porque o material já havia sido analisado anteriormente, durante dois meses.
Reprodução Cidade News Itaú
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