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segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Sobreviventes da tragédia de Santa Maria tentam olhar para o futuro



Para um grupo de jovens, algumas imagens ainda não saem da cabeça. Apenas uma semana se passou. Sobreviventes contam o que viveram naquela noite e o mais importante: quem escapou do incêndio tenta agora olhar para o futuro.
Centenas de jovens sobreviveram ao fogo e à fumaça. Mas como tocar a vida adiante, cercados por um ambiente de dor?
Para se ter uma idéia do impacto que a tragédia teve sobre a cidade, o Fantástico foi até o centro, na Avenida Rio Branco, uma das principais de Santa Maria. Do outro lado da rua fica a catedral, um marco do município, e perto a Rua dos Andradas, onde aconteceu o incêndio da boate Kiss. Dá pra perceber que o desastre atingiu Santa Maria bem no coração. "Se eu paro, fecho os olhos, me vem a cena daquelas pessoas em desespero”, conta Alberto.
“Não tem dimensão o tamanho da dor”, declara Maiara.
“Até que as pessoas consigam dar um sentido, de fato compreender realmente o que aconteceu, e sentir isso, leva alguns dias”, conta Christian Kristensen, psicólogo e professor da PUC-RS.
O Doutor Christian chefia uma jovem equipe de psicólogos especializados em situações traumáticas.
“Nós temos sido acessadas tanto por vítimas, familiares das vítimas que foram, passaram por todo esse evento, e também pelas pessoas que socorreram essas vítimas no momento da crise”, diz a psicóloga voluntária Patricia Gaspar Mello.
Ou seja: até os socorristas, bombeiros e militares precisam de cuidados. Principalmente numa cidade pequena.
“É muito possível que os trabalhadores, que já estão acostumados com emergências, com situações difíceis, também se sintam impactados porque conhecem pessoas que estão fragilizadas. Então, isso também é muito difícil pra eles”, explica Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo, psicóloga voluntária.
O corpo sofre. Problemas que já existiam aumentam.
“Aquela imagem de tudo que aconteceu vem na lembrança delas com bastante força e angústia e isso, a gente tem hipertensos descompensados, diabéticos descompensados e a gente tem feito esse amparo”, explica Paula Ávila do Nascimento, médica voluntária.
Na parte psicológica, os especialistas explicam: quem sobrevive a uma tragédia como a de Santa Maria pode sentir, além do luto por parentes e amigos, medo, ressentimento, desamparo e até vergonha e culpa.
“’Por que eu sobrevivi se tantos outros morreram?’. Foi uma fatalidade. As pessoas não precisam ficar se responsabilizando, se culpando por causa disso”, explica o psicólogo Christian Kristensen.
Mesmo pra quem ainda está muito abalado, a possibilidade de melhora é concreta. Essas reações para a maioria das pessoas vai passar ou diminuir a intensidade ao longo das próximas semanas.
Poucos dias depois do desastre, os jovens que se salvaram ainda estão confusos.
A Maiara, a Tássia, o Juliano e o Alberto. Todos estavam na boate Kiss, na noite do incêndio. A Tássia disse que ela não sabe se eles são sobreviventes ou se eles são sortudos.
“Porque nós estávamos, eu, dois minutos antes, e a minha amiga, saímos pra área de fumante, que fica localizada na frente da boate. Ela e os dois estavam numa área isolada, uma área vip, muito próximo da saída. E ele estava passando pela frente vindo de outra festa que ele estava”, conta a estudante de direito Tassia Mello.
“Eu sei de gente que foi mordida no ombro. Estava no instinto mais primitivo do ser humano”, conta Juliano Rossato da Silva, analista de sistemas.
“Tenho marca de arranhões. Provavelmente, alguém tentando, naquela ânsia de sair. Você pegava pessoas pela mão, caindo”, lembra Alberto Tessmer, bancário.
E daqui a dez anos, quais vão ser as daquela noite?
“Eu vou lembrar da forma mais trágica, eu acho que se pode perder pessoas”, diz Tássia.
“Eu sinceramente eu acredito que a gente não vai esquecer. Mas com o tempo, tudo na vida da gente, com o tempo vai passando”, afirma Juliano
“Eu aprendi muita coisa. Eu vou me tornar uma pessoa melhor, sabe? Já me tornei uma pessoa melhor, pelo que eu vivi lá dentro”, conta Maiara.
A psicologia explica.
“Ter passado por essa tragédia e ter sobrevivido leva a pessoa a reavaliar alguns valores, alguns significados, a dar até mais valor pras relações interpessoais, relações familiares”, conta Christian.
“Que nem a minha mãe me disse, colocou na minha página do Facebook, é como se eu tivesse ido te buscar na maternidade pela segunda vez", diz Tássia.
Mas nem todas as mães reencontraram os filhos. Para essas, o conforto está nas pequenas coisas. No caso de Márcia, que perdeu o filho Rafael, está num caderno.
“Tem algumas coisas que ele escreveu e que têm me ajudado a passar por essa situação, por esse momento de dor”, diz Márcia Dias, mãe do Rafael.
Rafael estudava biologia e escrevia canções.
“Esse texto aqui foi o mais importante pra mim porque ele me fez ver que eu preciso seguir, que eu preciso continuar. ‘Acabo de ter a ideia de transformar as músicas que ando compondo em uma sequência. A primeira sequência, a tristeza. A segunda? A aceitação. E a terceira: o seguir em frente’”, lê a mãe de Rafael.
A mensagem que Rafael deixou vale também para os jovens sobreviventes.
“Se a gente não consegue passar por cima, nos conformar, de alguma forma seguir em frente, a gente consegue”, diz Juliano.
“A gente vai conseguir superar isso, vai passar, isso vai fazer parte da vida da gente, vai doer”, acrescenta Alberto.
“A gente tem que seguir por aquelas pessoas que a gente ama. É inadmissível o que aconteceu, mas a gente tem que conseguir seguir”, reflete Tássia.

Reprodução Cidade News Itaú

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