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segunda-feira, janeiro 21, 2013

PMs de SP são acusados de montar farsa para encobrir morte de inocentes



Um policial chama o Copom, a Central de Atendimento da PM de São Paulo, e diz que bandidos estão em fuga. De repente, ouve-se um estampido. Parece real. Mas, segundo as investigações, foi uma farsa montada por cinco PMs para encobrir um crime, a execução de dois jovens inocentes: o tecelão César Dias de Oliveira e o ajudante de mercado Ricardo Tavares da Silva, ambos de 20 anos.
Esta semana, o Fantástico teve acesso à investigação completa do caso, que inclui o depoimento de duas testemunhas fundamentais.
Repórter: Quem atirou nessa história?
Testemunha: Polícia.
Por causa de tudo o que sabem, agora elas fazem parte do Programa de Proteção a Testemunhas. “O que eu tenho que acrescentar é que eu temo pela minha vida”, diz uma delas.
Com base nos depoimentos e nas investigações do departamento de homicídios da polícia civil, o Fantástico reconta como foi, de verdade, a ação da polícia.
No começo da madrugada de domingo, 1º de julho de 2012, no bairro Rio Pequeno, Zona Oeste da Capital Paulista, um dependente de drogas foi abordado na rua por PMs. Por ter antecedentes criminais, andava com alvará de liberdade provisória no bolso. Tinha acabado de comprar cinco pedras de crack em um ponto de drogas.
“Pediram para eu retornar com eles ao local. Falaram que iriam me prejudicar”, diz a testemunha.
Ele diz que foi levado até um batalhão, em Osasco. No quartel, três policiais mandaram que ele indicasse onde era o ponto de drogas. E então foram todos para lá, em um carro vermelho. Os PMs estavam à paisana.
“Parecia ser um carro particular. Tinha roupas dentro”, diz a testemunha.
Segundo a testemunha, ao chegar ao local e encontrar os traficantes, os três PMs atiraram: “Tinha um cara em pé, com uma pistola na mão. Os policiais sacaram as armas e começaram a atirar. E esses caras correram todos”.
A testemunha diz que, na sequência,  os policiais entraram no carro vermelho e o levaram junto. Perto do ponto de drogas, avistaram uma moto, com dois rapazes de capacete. Eram César e Ricardo, que não tinham nada a ver com a história.
Os PMs pediram reforço. “Chamaram a outra viatura, que era a viatura que tinha me abordado, mandando seguir a moto”, revela a testemunha.
Os amigos César e Ricardo moravam a 30 quilômetros de distância dali, em Vargem Grande Paulista, na Grande São Paulo.
Segundo a família, César estava no bairro Rio Pequeno porque tinha ido à casa de um primo, terminar uma tatuagem.
“Meu filho era digno, decente. Ele jamais faria uma coisa errada”, garante Daniel de Oliveira, pai de César. 

César, um fanático por histórias em quadrinhos e desenhos animados japoneses, dirigia a moto, comprada recentemente. Ricardo estava na garupa.
De acordo com as testemunhas, os policiais militares cruzaram com os rapazes a cerca de um quilômetro do ponto de venda de drogas, ainda em São Paulo.
Segundo as investigações, às 2h40, os PMs atiraram nos dois rapazes que desciam a rua de moto. A testemunha conta que os três policiais que estavam no carro vermelho, voltando do ponto de drogas e vestidos à paisana, chegaram em seguida.

“Eles tiraram aquela roupa que eles estavam e colocaram as fardas”, diz a testemunha .
Os tiros foram até de metralhadora, sem nenhuma abordagem anterior e sem nenhuma reação dos jovens, dizem as testemunhas.
“Pegaram o que estava dirigindo e ele ficou gritando: ‘socorro, várias vezes. Não me mata, não me mata’”, diz uma testemunha.
Os PMs acusados da execução são os soldados Cringer Prota, Denis Martinez e Raphael de Arruda; o sargento Marcelo Oliveira; e o aspirante a oficial Rafael Salviano, que chefiava a equipe.
“Essa operação foi feita fora da área de atuação deles. Ingressaram numa operação sem nenhuma informação. Não havia a menor suspeita de que aquelas pessoas poderiam ser os traficantes que eles trocaram tiros anteriormente”, diz o promotor de Justiça José Carlos Cosenzo.
Na época, os policiais alegaram que foi resistência seguida de morte. Os rapazes teriam atirado primeiro.
O eletricista Daniel, pai de César, nunca acreditou nessa versão. “Ele nunca teve arma, nem de brinquedo. Ele não gostava de violência”, garante.
Durante 27 dias, o pai de César esteve na região em que o filho dele e o amigo foram mortos. Inconformado com a versão da polícia, ele fez o papel de investigador: levantou provas e conseguiu convencer uma testemunha a prestar um depoimento: a mulher que disse ter visto César implorando para não ser morto.
Ela fez outra denúncia grave. A principal testemunha do caso conta que viu os policiais fazendo uma encenação. Pelo rádio, diziam à central da PM que estavam no meio de um tiroteio. Mas, segundo a testemunha, tudo era mentira. Os rapazes já tinham sido baleados e os policiais davam tiros para o alto, na tentativa de enganar o comando da PM.
“Tipo uma manipulação: ‘a gente está perseguindo, a gente está numa ocorrência’. E dando tiro para o alto”, lembra.
As investigações indicam que os PMs ainda deixaram uma arma perto da moto de César, para simular que era dos rapazes. “Em nenhum momento eles estavam com a arma”, diz a testemunha.
Os policiais levaram os dois inocentes, ainda com vida, para um hospital de Osasco. César em uma viatura, Ricardo em outra.
Segundo o Ministério Público, ao analisar os dados do GPS, o monitoramento por satélite, os investigadores descobriram que o carro que estava socorrendo Ricardo parou no caminho.
“Pararam 11 minutos em um local ermo e foi ai que essa pessoa foi fuzilada”, diz o promotor de Justiça.
Ricardo morreu com três tiros, cerca de onze horas depois.  César levou cinco tiros e morreu após dar entrada no hospital.
“Não foi uma operação desastrada, foi uma operação absolutamente criminosa”, afirma o promotor de Justiça.
Este mês, Fernando Grella, o novo secretário de Segurança Pública de São Paulo, anunciou uma medida que teve muito repercussão: agora, em casos como lesão corporal grave e homicídio, inclusive os que envolvem confronto policial, policiais civis e militares do estado não podem mais socorrer as vítimas. Devem chamar o resgate, o Samu ou o serviço local de emergência.
“O risco de a pessoa morrer antes de chegar o socorro existe em qualquer condição. A finalidade dessa resolução é fazer com que a pessoa gravemente ferida tenha um atendimento de qualidade e permitir que o policial também preserve o local”, diz o secretário.
A medida também pode ajudar a inibir futuras ações criminosas, encenações, cometidas por policiais. “Ela acaba evitando também essas ocorrências que, por vezes, infelizmente, nós temos notícia”, destaca o secretária.
O então chefe da equipe acusada de envolvimento na execução de César e Ricardo responde em liberdade. Hoje, Rafael Salviano não é mais aspirante. Passou a tenente, e alega inocência.
“Ele não sabe o que aconteceu. Ele chega no local onde aconteceu essa troca de tiros depois do fato acabado”, afirma Daniel Bialski, advogado de Rafael Salviano.
Os outros quatro policiais estão presos. O advogado deles diz que as testemunhas mostradas na reportagem mentiram e que os PMs mantêm a versão de que os jovens mortos atiraram primeiro.

Para a defesa, não tem lógica a acusação contra os policiais. “Não teriam feito ali. Porque, se a gente admite a tese da execução, então, nós temos que pensar o quanto eles foram incompetentes, burros, na acepção do termo, de executar dois jovens em uma das principais avenidas daquele bairro”, declara Ivon Ribeiro, advogado dos policiais.
O eletricista Daniel, o pai que ajudou a investigar a morte do filho, fez uma tatuagem, em que chama césar de "Meu herói".
“Foram tirados os elementos da rua, que não tinham condições de estar fardados. Nisso aí, eu me sinto aliviado. Mas a dor aqui dentro, pela morte dele, continua a mesma, não alivia”, lamenta.

Reprodução: Cidade News Itaú

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