O dramaturgo, diretor teatral, roteirista e escritor Alcione Araujo - fino intérprete dos costumes e autor politicamente engajado - morreu nesta madrugada em Belo Horizonte aos 67 anos. Estava hospedado, com a namorada e os sogros, em um hotel na Savassi, bairro boêmio da capital mineira, quando sofreu um infarto. Seu coração não suportou o choque e morreu antes da chegada do atendimento médico.
Alcione Araújo havia estado em Ouro Preto na final de semana e chegara a Belo Horizonte na segunda-feira. Mineiro de Januária, cidade do norte de Minas a 585 km da capital, o dramaturgo morava desde 1978 no Rio, para onde seu corpo está sendo trasladado. O velório ocorrerá nesta sexta-feira, no Memorial do Carmo, no Caju, das 11h às 17h. Em seguida, será cremado.
Só depois de formado em engenharia, com título de mestrado em filosofia e já professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Alcione decidiu ingressar num curso de formação de atores. Aos 29 anos teve sua sua primeira peça encenada, “Há Vagas para Moças de Fino Trato”, sob a direção de Aderbal Freire-Filho. O texto, uma narrativa psicológica dos traumas amorosos de três mulheres, deu-lhe projeção nacional, quando montado em São Paulo, dirigido por Amir Haddad, com Glória Menezes, Yoná Magalhães e Renata Sorrah.
Seu primeiro grande sucesso de bilheteria foi “Doce deleite”, de 1981. Foi responsável pela direção e pelo texto de oito dos 12 esquetes cômicos. Encenada por Marília Pêra e Marco Nanini, “Doce de leite” percorreu várias cidades brasileiras em turnê de dois anos de duração. Em 1999, a obra teatral completa de Alcione Araújo foi editada em três volumes. Na apresentação, Domingos Oliveira definiu-o como um autor de “disposição trágica” e “dramaturgia audaciosa”.
Na década de 80, o autor mineiro começou a diversificar sua produção, dedicando-se também ao cinema e à televisão. Escreveu 14 roteiros cinematográficos de longa-metragem, entre os quais, “Nunca fomos tão felizes” (prêmio de melhor roteiro nos festivais de Gramado e Brasília), “Jorge um brasileiro” e “Policarpo Quaresma”.
Como escritor publicou os romances “Ventania” (2011)”, “Pássaros de voo curto” (2008) e “Nem mesmo todo o oceano” (1998) e as reuniões de crônicas “Cala a boca e me beija” (2010) e “Urgente é a vida” (2005).
“Ventania” se passa em uma cidade esquecida depois que uma mina de ouro foi fechada, “onde se pode ouvir o som do vento que levanta a poeira e carrega as folhas secas”.
“Nem mesmo todo o oceano” narra o percurso de um arrivista durante a ditadura militar brasileira. Ameaçado de morte, um médico que acobertava torturas nos porões da repressão prepara-se para explicar seus atos, procurando entender como o ambicioso e esforçado rapaz do interior havia se tornado um colaborador de militares desumanos. “Pássaros de voo curto” entrecruza personagens como uma cantora lírica e um engenheiro britânico de minas de ouro e um aviador que combate os alemães na Itália.
Alcione Araújo apoiou a candidatura presidencial de Lula em 2002 e 2006 e de Dilma Rousseff em 2010. Foi um artista de militância política e discurso engajado. “A maior parte da população sempre esteve do lado excluído da sociedade, afastada pelo apartheid econômico, social e cultural, da mesma forma que os negros assistiam às missas confinados numa área cercada da igreja. O que poderia mudar esse quadro seriam políticas públicas menos perversas que permitissem escolarizar e formar cidadãos e profissionais, além de uma distribuição de renda menos perversa. Se esse avanço não se efetivar, o país terá duas culturas conflitantes numa mesma geografia, se já não as tem. E os enfrentamentos, via violência urbana, vão se ampliar”, dizia ele, quando analisava o quadro político e cultural do país.
Em uma entrevista, quando questionado sobre por que escrevia, Alcione respondeu: “Entendo o que Mallarmé queria dizer quando afirmou que a vida foi feita para ser transformada em livro, assim como entendo a perplexidade de Aldous Huxley ao perguntar como alguém pode viver sem escrever. Vivo impregnado de teatro, bêbado de literatura, encharcado de cinema, grávido de filosofia e gratificado por exercer o que, para mim, é a melhor profissão do mundo: a que permite ganhar a vida com prazer e oferecer ao leitor/espectador vivências do que ele não viveu”, disse ele. “A arte de escrever é pessoal ou não é nada. Acho que é preciso trabalhar, trabalhar e trabalhar. Quando achar que está pronto, recomece a trabalhar. Como disse Drummond, se, ao final, não tiver o frescor inaugural de que acabou de ser escrito, todo o empenho terá sido em vão. Acho que escrevo porque não encontrei nada mais interessante para dedicar a vida.”
Fonte: Agência O Globo/Cidade News Itaú
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