Trecho de uma troca de e-mails entre executivos da TV Globo expõe o que a cúpula da empresa pensa, hoje, da sua relação com os clubes de futebol com os quais têm contrato de direitos de transmissão: “tanto pagamos e pouco recebemos”. Mas, no que depender da emissora, chegou a hora de mudar esse cenário.
O UOL Esporte teve acesso ao e-mail enviado pelo diretor da Globo Esporte, Marcelo Campos Pinto, aos presidentes dos clubes de futebol cobrando privilégios que a TV Globo e o Sportv entendem ter direito na cobertura jornalística da rotina de treinos e jogos.
O protesto global encaminhado por Campos Pinto é um consolidado das reclamações de produtores e editores da TV Globo e do Sportv. A cúpula editorial da empresa não aceita que as equipes de reportagem tenham tão somente o mesmo acesso concedido a empresas que não detêm direitos de transmissão, ou então que os repórteres e produtores não possam fazer mais perguntas a técnicos e jogadores que os jornalistas concorrentes.
“Desde 1997, quando se assinou o primeiro contrato da nova era do Campeonato Brasileiro de Futebol da Série A, a TV Globo e a Globosat não tem (sic) poupado esforçados (sic) para promover, valorizar e engrandecer esta competição. Entendemos, entretanto, como temos ressaltado em todas as nossas reuniões, que este é um esforço de todos nós, clubes e emissoras. Não raras vezes temos a impressão de que os clubes entendem que esta missão não lhes diz respeito, o que evidentemente não faz o menor sentido”, afirmou Campos Pinto no e-mail enviado a todos os presidentes.
Campos Pinto também destacou que a emissora sempre se preocupa em exibir e promover a marca dos clubes e de seus parceiros: “Lembro, por oportuno, que tais matérias são exibidas de segunda a sábado em nossos telejornais e programas esportivos, o que corresponde a mais de 60% da exposição anual das marcas dos clubes e de seus patrocinadores de camisa e material esportivo na Rede Globo e no Sportv”.
As reclamações da emissora
A “crise” chegou a Campos Pinto por meio de Ricardo Bereicoa, chefe de produção no Rio de Janeiro, e João Pedro Paes Leme, diretor-executivo de esportes. Foram eles que receberam das equipes de reportagem o modus operandi na rotina dos clubes na qual a TV Globo não é, na visão deles, atendida com o status de detentora dos direitos de transmissão.
Durante um treino, por exemplo, as assessorias de imprensa dos clubes geralmente separam uma área para cinegrafistas e fotógrafos e outra para repórteres. Isso ocorre para evitar que a atividade tenha interferência de outras pessoas que não sejam da comissão técnica. Mas, de acordo com o que foi reportado a Campos Pinto e repassado aos clubes, esses locais são ruins e dificultam a captação de imagens.
Também desagradam à emissora os obstáculos colocados pelos clubes para entrevistas exclusivas no dia de folga após os jogos ou para reportagens fora do espaço físico do clube, como na casa do atleta, por exemplo. Os clubes relutam em desrespeitar o dia de descanso dos jogadores.
Os clubes evitarem que muitos jogadores deem entrevistas na véspera de clássicos é outra reclamação da TV Globo. A emissora entende que tem o direito a falar com mais atletas do que apenas o destacado pela assessoria para atender a todos os outros jornalistas. O mesmo se repete para revelações, que ainda não estão acostumados com as câmeras.
A emissora ainda pede que os clubes divulguem com antecedência quem será o entrevistado do dia e o “apresse” para falar com os repórteres após o treino, o que hoje ocorre apenas em alguns clubes. Além disso, Campos Pinto reivindica ao repórter global o direito a mais perguntas em relação aos concorrentes.
Hoje, o jogador escolhido para entrevistas é divulgado durante o próprio treino e prefere tomar banho e se arrumar antes de aparecer nas câmeras. “Demora dos jogadores para se dirigirem à coletiva. Entre o "banho" e a entrevista, podem levar até 2 horas”, comunica o email de Campos Pinto.
A lista de reclamações termina com uma crítica direta à falta de exclusividade que os globais enfrentam. “De uma maneira geral, a TV GLOBO não tem nenhum privilégio em relação à (sic) outras emissoras - que nada pagam ao clube”.
Como funciona lá fora
Em outros campeonatos pelo mundo, quem compra os direitos de transmissão também tem exclusividades e privilégios. Na Premier League da Inglaterra, na Liga dos Campeões e na Copa do Mundo, por exemplo, apenas repórteres das emissoras que pagaram pelo evento podem entrar em campo . Além disso, eles têm a preferência para a primeira entrevista.
Nos Estados Unidos, outras modalidades também adotam o mesmo molde de parceria. Na NBA e na NFL, por exemplo, os repórteres da transmissora têm diversos privilégios antes, durante e depois do jogo. O UFC tem permitido que repórteres das emissoras também fiquem nos bastidores. Em cima do octógono, no entanto, só sobe o repórter da própria organização, normalmente Joe Rogan.
Globo usa contrato
O UOL Esporte entrou em contato duas vezes com Marcelo Campos Pinto, mas não obteve sucesso em ambas as ocasiões para que o executivo analisasse a situação. Na primeira "conversa", via telefone, o diretor executivo afirmou que estava em uma reunião e não queria falar do assunto, sem esconder a irritação ao ser questionado do tema.
Na segunda oportunidade, durante a feira Soccerex, no Rio de Janeiro, Campos Pinto respondeu com um seco "sim" quando questionado se estava satisfeito com o tratamento dado à TV Globo pelos clubes.
O que melhor pode elucidar a avaliação de Campos Pinto sobre o tema está e-mail aos clubes, no qual ele alega que todas as exigências feitas estão em contrato: “O relato de nosso jornalista responsável pelas matérias que devem ser semanalmente produzidas nos clubes (...) nos dá conta de fatos que são absolutamente inadmissíveis dentro do contexto de um esforço mútuo de permanente promoção de nosso campeonato. E isso sem contar que o acesso privilegiado necessário à produção de matérias jornalísticas durante os jogos e nos clubes consta expressamente de nossos contratos”.
Fonte: Uol Esporte/Cidade News Itaú
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