Mais de um ano e meio após o início do conflito na Síria, moradores de áreas até então relativamente pacíficas vêm relatando o aumento dos confrontos violentos nessas regiões.
A correspondente da BBC Lyse Doucet, que acaba de voltar da Síria, diz que sua visita deixou claro para ela que mais e mais partes do país vêm sendo envolvidas na rebelião contra o regime do ditador Bashar Assad.
Em um país e guerra, muitas vezes um lugar pequeno como Barzeh funciona como um claro exemplo da situação mais ampla.
Encontrar o vilarejo no mapa pode ser uma luta. Mas no mapa humano da Síria, esse subúrbio da capital, Damasco, aparece com proeminência.
O bairro serve para contar uma história extraordinária. Os atos de coragem de seus habitantes conta muito sobre Barzeh e sobre a Síria.
Em sua primeira visita à Síria, há um ano, a correspondente da BBC encontrou Damasco considerada como uma bolha, ainda intocada pelos protestos do restante da Síria.
A capital, bastião do regime, era fortemente protegida, policiada pelos serviços de inteligência. Qualquer foco de protesto era facilmente eliminado.
MEDO
Em Barzeh, o medo era palpável. Na saída da principal mesquita do bairro, a presença pouco comum de jornalistas estrangeiros atraía uma multidão. Mas eles se mantinham longe dos microfones, preferindo os olhares para dizer o que não podiam falar.
Um homem então passou um pedaço de papel amassado à mão de um dos membros da equipe da BBC. A mensagem dizia: "Obrigado. Mas ninguém pode falar com vocês porque o Exército está nas ruas. Todo o povo está com medo".
Outro homem cochichou ao passar rapidamente pelo local: "Olhe para aquela rua". Tropas sírias esperavam ao longe.
Seis meses depois, Doucet voltou ao bairro e à mesquita. Um idoso que passava pelo portão acenou.
"Não me pergunte o que está acontecendo. Vá falar com os jovens na rua", disse. O Exército não ocupava mais a posição que ocupava seis meses antes.
Alguns jovens se aproximaram. O medo tinha desaparecido. Entre as vielas da região, homens, mulheres e crianças faziam uma passeata, gritando palavras de ordem contra Assad.
Eles pediram que a equipe os acompanhasse, até que o grupo chegou a uma casa cravejada de furos de tiros. A casa, segundo eles, era usada pela oposição armada, o Exército Livre da Síria, até ser atacada pelo governo.
A guerra síria havia chegado aos subúrbios da capital.
EXPLOSÕES
Agora, seis meses depois, o conflito já está no coração de Damasco.
Em sua última visita, a correspondente da BBC encontrou uma cidade muito diferente.
Todos os dias, cortinas de fumaça preta e branca aparecem no céu claro. É possível ouvir disparos noite e dia, explosões, sirenes.
Alguns bairros ainda mantém seu charme lendário --parques bem cuidados, onde famílias fazem piqueniques e casais jovens flertam, lojas vistosas de especiarias e doces, cafés cheios com pessoas jogando conversa fora.
Mas outros bairros parecem arruinados. A bolha de Damasco se rompeu. Os repetidos pedidos ao governo --que controlava a visita-- para ir a uma das áreas sob bombardeio foram negados.
"É muito perigoso, e sua proteção é nossa prioridade", respondiam os funcionários encarregados.
Então uma noite a repórter da BBC ouviu que Barzeh estava sob ataque e insistiu que a equipe deveria pelo menos poder ir até lá. E voltou então à mesma mesquita, na mesma rua.
FUNERAIS
Desta vez, um grupo de soldados controlava um posto de checagem bem diante da mesquita. Eles avisaram que a equipe de reportagem não poderia avançar.
"As coisas estão bem", disse um homem. Outro indicou, com um gesto com a mão, que não estava tão seguro disso. Os soldados disseram que a reportagem poderia conversar com as pessoas perto do posto de checagem, mas acompanhavam as entrevistas e anteciparam a um lojista o que ele deveria falar.
Ainda assim, Barzeh encontrou uma maneira de contar sua própria história.
Primeiro foi a mesquita. O alto-falante começou a funcionar, anunciando funerais. Duas pessoas, segundo o anúncio, haviam sido mortas no dia anterior pela violência.
A correspondente da BBC começou então a andar pela rua quase deserta, sem ser incomodada pelos soldados.
Uma mulher jovem estava na rua com seu filho. Questionada, ela disse que as coisas estavam bem, mas foi interrompida pelo filho.
"Você deveria dizer a ela", ele insistiu. "Os helicópteros atacaram ontem. Estávamos em casa, porque estamos com muito medo. Imploramos a eles que parem", disse.
Ainda assim, os protestos por lá continuavam, segundo ele.
Damasco é uma cidade divida ente aqueles que ainda apoiam o ditador Assad, e lutam por ele, e aqueles que não o apoiam, e lutam contra ele.
Essa é a Síria hoje. Todos têm suas histórias. E são histórias de uma guerra que vem piorando. Isso é o que a Barzeh nos conta.
Fonte: Folha de São Paulo/Cidade News Itaú
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