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domingo, março 04, 2012

Com nova resolução, Senado Federal pode afundar o Import/RN



Juntos, os portos de Pecém (CE) e Suape (PE) foram a porta de entrada de 53,7% dos produtos importados pelo Rio Grande do Norte em 2011. Atrás deles, o Porto de Natal convive hoje com limitações que o impedem de aproximar-se da concorrência. Em meio a propostas sem continuidade sobre a construção de uma nova estrutura portuária e do andamento de projetos de expansão da atual área, o governo do estado aposta suas fichas no Plano de Apoio às Importações do Exterior e Desenvolvimento Portuário e Aeroportuário, mais conhecido como Import-RN. A lógica do programa não é nova. A partir da redução do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), pago pelas empresas em operações comerciais com os estados, o poder estadual espera atrair gente disposta a trazer mercadorias ao Brasil pelo Porto de Natal, o que ajudaria a movimentar cargas e atrair investimentos em infraestrutura.

Coordenador do Import-RN no governo, o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Benito Gama, enxerga o programa como arma para enfrentar a concorrência dos demais portos nordestinos, que possuem programas similares de incentivos. No caso do Import-RN, a ideia é reduzir a alíquota inicial, que é de 17%, para 2% nas importações das empresas que iniciarem as operações nos dois primeiros anos de vigência da lei, aumentando um por cento no terceiro e quarto ano para, então, se estabilizar a partir do quarto ano em 4,25%. Além do atrativo para que mais navios cheguem ao porto, Benito Gama almeja a formação de um corredor de importação no estado, construído com investimentos das empresas importadoras em equipamentos de distribuição e processamento.

Regulamentado na semana passada pela governadora Rosalba Ciarlini, o Import-RN já nasce com risco de acabar. Isso porque o Senado Federal se esforça atualmente para votar até o fim de março a Resolução 72/2010, que uniformiza a alíquota do ICMS nas operações interestaduais com bens e mercadorias importadas. Ou seja, deixa todos os estados em igualdade de condições para competir, sem que um ou outro possa obter vantagem concedendo benefícios a empresas que se instalem em seus territórios - uma das vertentes da chamada guerra fiscal. Além de Pecém e Suape, portos como Itajaí, em Santa Catarina, e Vitória, no Espírito Santo, têm arrecadado quantias bilionárias desde que colocaram em prática planos para incentivar as importações. Benito Gama se inspirou nesses dois exemplos para criar o Import-RN. Sem a possibilidade de dar os incentivos, é possível que as bem sucedidas operações naufraguem, ou no mínimo, tenham perdas significativas.

A Resolução 72/2010 é defendida também pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que encabeça uma campanha pelo fim dos incentivos fiscais às importações no Brasil. Um dos principais argumentos é que as condições favoráveis dadas aos importados fomentam uma concorrência desleal com os produtos brasileiros. A prática permite, por exemplo, que os importadores vendam mercadorias a preços mais baixos no mercado brasileiro,visto que possuem encargos menores para entrar no país. Com base nesse ponto de vista, a CNI acredita que incentivos fiscais promovem a "desindustrialização" do país. No Import-RN, a questão gerou polêmica inicialmente junto a entidades representativas, o que foi sanado com a formação de um Comitê Gestor incumbido de acompanhar o andamento do programa.

O comitê é composto pela Federação das Indústrias do RN (Fiern), Federação do Comércio, de Bens, Serviços e Turismo do RN (Fecomércio), Federação das Empresas de Transporte e Passageiros do Nordeste (Fetronor), e Federação da Agricultura do Estado do RN (Faern). Aliado a isso, as entidades tiveram a garantia de que nenhum produto que possa competir com as mercadorias produzidas no estado pode entrar com incentivos do Import-RN. "Há uma proteção às indústrias locais", enfatiza o presidente da Fiern, Amaro Sales, que mesmo assim questiona o programa principalmente no que diz respeito à infraestrutura portuária hoje disponível para atrair os investimentos. 

Estado tem de ser seletivo

A formação de um corredor de importação é um dos principais benefícios aguardados pelo secretário estadual de Desenvolvimento Econômico através do Import-RN. Benito Gama ressalta que tal infraestrutura será importante para o desenvolvimento das indústrias de petróleo e eólica no estado. A Petrobras, que trabalha os dois setores no RN, foi a quinta maior importadora da pauta estadual, com US$ 12,3 milhões no ano passado. Para o professor de Mercado de Capitais e Administração Financeira da Faculdade Estácio de Sá/FAL, Walmir Marques, a possibilidade de estimular investimentos na infraestrutura industrial do RN seria um grande trunfo do Import-RN. Marques fala em centro de distribuição, e equipamentos que trabalhem o processamento de produtos dentro do estado. "Isso beneficia a base industrial, e pode trazer componentes para que outra indústria se instale no estado", avalia.

Apesar do tom otimista, Walmir Marques acredita que o estado precisa ser seletivo quanto ao tipo de importador que vai atrair. De acordo com o especialista, um fator fundamental é a disposição das empresas interessadas em investir na infraestrutura dentro do próprio estado. O secretário estadual de Desenvolvimento Econômico contabiliza sete pedidos para assinatura de cartas de intenção. Sobre a origem dos interessados, Benito Gama cita Portugal, Espanha e Alemanha. "A Europa tem interesse em vender devido à crise", conta. O titular da Secretaria do Estado de Desenvolvimento Econômico (Sedec) revela visitas agendadas nas cidades de Hamburgo, Alemanha, e Roterdã, na Holanda. A segunda ostenta um dos maiores portos marítimos da Europa. Gama espera ter a primeira operação viabilizada pelo programa em um prazo de 60 dias.

Metas

Uma das metas estabelecidas pelo governo do estado é a movimentação comercial de R$ 1 bilhão no primeiro ano de operação. Em 2011, o RN movimentou um total de US$ 242,5 milhões em importações. Do montante, US$ 7,4 milhões deram entrada no estado pelo Porto de Natal. Além disso, o secretário de Desenvolvimento Econômico esperaa arrecadação de US$ 20 milhões em ICMS pelo Import-RN. A partir da montagem de estruturas de distribuição, processamento, e serviços, Benito Gama trabalha com a geração de sete mil empregos diretos no quinto ano de funcionamento do projeto. Outros benefícios elencados são a recuperação do bairro da Ribeira, onde está fincado o Porto de Natal, e ainda o desenvolvimento de cursos de Comércio Exterior no estado.

Benito Gama lembra ainda que o governo do estado trabalha no Export-RN, que tem o plano de estimular as exportações do estado. No entanto, o titular da Sedec preferiu não dar muitos detalhes sobre o novo programa até que seja enviado pela governadora Rosalba Ciarlini para votação na Asssembleia Legislativa. 

O diferencial da estrutura portuária

Embora os programas de incentivos fiscais tenham lá seu peso, outros fatores são necessários para atrair as importações. Em meio a um ambiente de concorrência forte no Nordeste, a infraestrutura portuária aparece como chave para se diferenciar na disputa. O presidente da Fiern, Amaro Sales, deixa clara sua posição sobre os benefícios do Import-RN. "O RN só poderá tirar proveito quando tiver infraestrutura portuária", afirma. Alguns projetos de expansão em andamento, e outros parados, são aguardados pela Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern), responsável pela administração do porto. Recentemente foi terminada a dragagem do equipamento, que aumentou a profundidade do canal do Rio Potengi de dez para 12,5 metros, permitindo ao porto receber navios mais pesados e de maior porte.

Entretanto, os gargalos continuam. "O porto ainda tem dificuldades de navios, retroárea, guindaste, estacionamento de contêineres, e linha de cabotagem", enumera Amaro Sales. Para o secretário Benito Gama, com a atual capacidadeinstalada, o Import-RN pode operar por pelo menos dois anos. Esperando resolver os gargalos, a Codern trabalha com a viabilização de três projetos: o Terminal Marítimo de Passageiros, o aumento da área do cais, e a realocação da Favela do Maruim, que daria mais espaço para crescimento. Orçado em R$ 51 milhões, o Terminal Marítimo espera o término do processo licitatório para ter a ordem de serviço expedida, algo esperado para abril.

O segundo projeto é ampliar 220 metros de cais a partir de um investimento de R$ 100 milhões, previstos no Programa de Aceleramento do Crescimento (PAC2). Essa ampliação refletirá ainda na expansão de 8 mil metros quadrados da retroárea do porto, espaço para o desembarque de mercadorias e que hoje tem 40 mil m². A companhia conta ainda com a resolução das pendências em relação à realocação da Favela do Maruim, que proporcionaria mais 14 mil m² de retroárea. Os três projetos concluídos resultariam em uma retroárea de 62 mil m², 22 mil m² a mais que o tamanho atual. A Codern anunciou ainda que tem uma série de reuniões agendadas com o governo do estado e Prefeitura sobre as obras.

O professor de Mercado de Capitais e Administração Financeira da Estácio de Sá, Walmir Marques, também coloca como decisivo o desenvolvimento do Porto de Natal para o sucesso do Import-RN, e os conseqüentes investimentos em logística. "Na medida que você dá infraestrutura e incentivos fiscais, você permite que o porto seja porta de entrada para também processar e distribuir", analisa Marques. 

Para Flávio Azevedo, Import/RN "é uma medida inócua"

Contrária aos incentivos fiscais às importações, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) encabeça uma campanha em favor da Resolução 72/2010 do Senado, que zera as alíquotas de ICMS dos produtos importados em transações interestaduais, extinguindo na prática o incentivo. Dia 28 de março, a chamada Coalizão Capital e Trabalho pelo Fim da Guerra Fiscal nos Portos, que conta ainda com a participação de outras entidades sindicais, estará em Itajaí, Santa Catarina, onde desde 2007 são oferecidos aos importadores índices baixos de alíquota do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços. O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, classificou como "irresponsabilidade" a prática de incentivos fiscais dos governos estaduais.

No Rio Grande do Norte, o terceiro vice-presidente da CNI, Flávio Azevedo, reiterou sua posição sobre o Import-RN, já anunciada desde que era presidente da Fiern. "É uma medida inócua", afirma o empresário, que não enxerga benefícios para o estado em incentivar a vinda de produtos importados. "A guerra fiscal nivela os estados por baixo. Não dá diferencial para o RN", avalia. De acordo com Azevedo, a medida não gera movimentação para a economia e, além disso, traz perdas na arrecadação de receita pelos impostos. "A única vantagem é que ele traz um movimento de cargas ao porto, porém os outros estados possuem programas similares", acrescenta o terceiro vice-presidente da CNI.

Em manifesto elaborado para a campanha contra os incentivos, as entidades representativas classificam a redução das alíquotas como um "crime" contra indústria e trabalhador. Aguinaldo Diniz, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (ABIT), setor que sofre com a concorrência chinesa, os benefícios foram diretamente responsáveis por quase metade do déficit comercial de US$ 5 bilhões do setor em 2011. Outro dado citado no manifesto é que a redução do ICMS na importação impediu a abertura de 771 mil empregos desde 2010 e a economia brasileira deixou de produzir R$ 18,9 bilhões adicionais ao Produto Interno Bruto (PIB) naquele ano.

Em resposta à campanha das entidades sindicais, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), líderes partidários da base do governo e da oposição prometeram votar a Resolução 72/2010 até o fim de março. Diante da concordância dos líderes partidários em dar urgência à tramitação da matéria, que está na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Sarney propôs que as lideranças da base aliada e da oposição fechem um acordo para estabelecer o regime de urgência à matéria. O autor da proposta é o líder do governo, Romero Jucá. Uma compensação aos estados importadores é estudada para viabilizar o acordo, de forma a minimizar prejuízos a federações como Espírito Santo e Santa Catarina.

O secretário Benito Gama rebate os argumentos da CNI. "Acho grande equívoco culpar os programas pela desindustrialização", afirma. Para o titular da Sedec, outro fatores influenciam para a situação, como o câmbio, que restringe as compras de Europa e Estados Unidos, e a entrada forte da China nomercado internacional. Gama coloca a questão como uma luta entre os estados do Sudeste e Norte/Nordeste do país. "É uma briga entre grandes e pequenos", reitera. Com uma eventual unificação das alíquotas de ICMS, o titular da Sedec afirma que os produtos ficaram concentrados no Sudeste. 

Fonte: DN

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