"Tudo começou com a venda de uma casa e o seu respectivo lote. Depois surgiram outros e outros colonos dispostos a vender. O negócio ganhou corpo e em pouco tempo dezenas teriam vendido, conta o colono Francisco Aguinaldo, o "Pilato", descrevendo como é o cenário no Assentamento Nova Esperança, antiga Fazenda São João, em Mossoró, desapropriada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) há poucos anos.
E este não é só o cenário da Antiga Fazenda São João. Se repete nas áreas de assentamento de Upanema e Ceará-Mirim, que passaram por fiscalização do Incra. Estas três áreas foram escolhidas no final do ano passado para passar um processo de fiscalização, determinado pelo Ministério da Agricultura, por haver muitas denúncias de que as áreas estavam sendo vendidas pelos colonos e que, inclusive, ocorreu homicídios nestas áreas em decorrência da venda de lotes.
O trabalho do Incra foi feito com apoio da Procuradoria da República, Movimentos Sociais, Polícia Federal. Os primeiros resultados mostram que em média 35% dos lotes foram "vendidos". A constatação foi feita por um trabalho, que recebe o nome de "Reforma Agrária: Essa conquista não está à venda", do Governo Federal. Dos 290 lotes fiscalizados, um total de 102 ou 35,1% apresentou alguma irregularidade. No assentamento Nova Esperança, que conta com 190 famílias assentadas, 51 apresentaram algum tipo de problema, sendo o mais comum: venda do lote.
No assentamento Padre Cícero, em Ceará-Mirim, com 60 lotes, foi constatado irregularidade em 25. O mesmo problema se repete nas outras regiões fiscalizadas. Ou não havia morador na área ou havia e não era mais o que havia sido inscrito no Incra para receber a propriedade do governo e trabalhar. De acordo com a Comissão de Vistoria, a situação mais grave foi percebida em São Geraldo, em Upanema, onde o número de irregularidades chegou a 65% dos lotes.
Naquela comunidade rural, dos 40 lotes visitados, 26 estão com algum tipo de problema. A exemplo do que aconteceu no assentamento Nova Esperança (Antiga Fazenda São João), tanto no Padre Cícero quanto em São Geraldo ocorreram homicídios cuja motivação, conforme a Polícia Civil destas cidades, está relacionada à comercialização de lotes e ou desmatamento ilegal.
No caso do homicídio no assentamento Nova Esperança, a vítima teria sido o colono Carlos Alves de Lima Júnior, de 41 anos, o "Júnior da Pousada", no dia 4 de dezembro de 2011, morto a tiros na localidade de Juremal, em Baraúna. Os moradores do Nova Esperança desconfiam que este crime tenha ligação com a venda de lotes que ele intermediava. "O pessoal fica falando estas coisas aí, mas ninguém tem provas. A Polícia deve ter provas", diz Francisco Aguinaldo. A Polícia Civil de Baraúna não confirma esta informação e diz que está investigando o caso.
O superintendente do Incra no estado (RN), Valmir Alves, informa que o próximo passo, agora, será o de análise dos documentos. Nesta fase, caberá a Comissão de Supervisão, coordenada pelo procurador federal do Incra/RN, Adriano Vilar Villaça, verificar caso a caso. Existe situação em que os problemas são apenas documentais e plenamente possíveis de serem resolvidos e as famílias continuarem em seus lotes. Noutros, está constata a compra do lote e da casa, prática considerada criminosa pela Justiça.
Após a análise, serão dados os encaminhamentos de notificação para que as 102 famílias apresentem suas defesas. Se no período definido pelo Incra, as famílias não se defenderem ou as defesas não forem consideradas procedentes, o Instituto Agrário poderá ajuizar a reintegração de posse, retirando as pessoas que estão irregulares no lote e casa. No caso do Assentamento Nova Esperança, o colono Francisco Aguinaldo, o "Pilato", disse que estão esperando chegar uma equipe do Incra nos próximos dias. "Eles vão ver isso aí", diz.
No País, de janeiro a outubro de 2011, o Incra vistoriou 21.287 lotes situados em 13 estados e no Distrito Federal. De janeiro de 2001 a julho 2011, 103.543 beneficiários foram excluídos do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) por irregularidades - sendo 36.592 exclusões motivadas por negociações ilegais da terra em uma das benfeitorias. Uma vez fora do Programa por irregularidades, os trabalhadores rurais não terão outra chance de se tornarem beneficiários da reforma agrária. Em todo o Brasil, quase um milhão de famílias vive em 8,7 mil assentamentos atendidos pelo Incra. No Rio Grande do Norte, 17 mil famílias estão em assentamento.
Maísa está entre os próximos assentamentos vistoriados
Um dos objetivos da ação é o caráter educativo. Segundo o superintendente do Incra/RN, Valmir Alves, até se tornar proprietário, ter o título da terra, o assentado não pode vendê-la. É preciso conscientizar a população que quem comprar lotes da reforma agrária pode incorrer em crime e até ser punido com prisão, dependendo da gravidade do caso.
Ainda segundo o superintendente Valmir Alves, a ação de vistoria e retomada de lote será continuada em 2012. A partir de março, o Incra irá fiscalizar 10 assentamentos, incluindo a Maisa, em Mossoró, o maior assentamento do Estado, que conta com 1.150 famílias assentadas.
Recentemente, chegaram oficialmente ao Incra denúncias de compra e venda de lote e de casa naquela comunidade agrária da região Oeste. Além deste assentamento, em dezenas de outros na região Oeste do Rio Grande do Norte também existem muitas denúncias de vendas de lotes no Incra.
Valmir Alves frisou também que existem hoje cerca de 3,1 mil famílias acampadas pedindo por áreas de desapropriação e que a retomada de lotes ocupados irregularmente beneficiará trabalhadores e trabalhadoras rurais que esperam por um lote de terra para morar e produzir.
O superintendente reforça que a linha de atuação da atual gestão manterá esforços para continuar a desapropriar terras improdutivas e retomar lotes de quem não tem perfil e utilizou o expediente ilegal, que é a compra. Os casos já comprovados serão entregues à Justiça Federal.
Fonte: Defato
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