domingo, novembro 27, 2011

Advogados presos trabalharam para Iberê

A quadrilha que atuou no Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Norte de 2009 a 2010 e que tentou manter a rede de corrupção na estatal potiguar copiou o modelo que havia dado certo no Distrito Federal. Segundo as investigações do Ministério Público durante a operação "Sinal Fechado", a qual foi iniciada em fevereiro deste ano depois que o Governo do Estado cancelou o contrato da licitação ganha pelo Consórcio Inspar, a empresa Planet Business - que havia emprestado seu CNPJ à empresa G. O Empreendimentos, pertencente ao advogado George Anderson Olímpio da Silveira - se envolveu em escândalo semelhante na capital Federal. A Planet Business havia criado software vicioso no Distrito Federal e repetiu a mesma tática no Rio Grande do Norte.
A investigação feita pelos promotores mostrou que o esquema de corrupção foi elaborado com a conivência de dois governadores em anos distintos. A organização criminosa teria iniciada em 2008, quando Wilma de Faria era a governadora, e teve continuidade na administração de Iberê Ferreira de Souza. Apesar dos dois ex-governadores afirmarem que não sabiam do esquema fraudulento que atuava no Detran, as interceptações telefônicas feitas durante as investigações evidenciam que tudo que era feito teria o aval de quem estava no comando do Estado.
O ex-governador Iberê Ferreira de Souza, que é citado como beneficiário de R$ 1 milhão em propina e que teria direito a 15% de todo o lucro que o grupo iria obter ao longo de 20 anos com a inspeção veicular, negou que tivesse conhecimento do esquema e se disse vítima de um complô de pessoas que não conhecia. Ele se referiu a George Olímpio, apontado pelo Ministério Público como mentor do esquema.
A questão é que George Olímpio aparece como advogado de Iberê em processos no Tribunal de Justiça do Estado, bem como Caio Biagio Zuliani. Caio é sócio de George na empresa G. O. Empreendimentos e no escritório de advocacia mantido por George. Os escritórios funcionam no mesmo endereço: salas 801 e 802 do Edifício Miguel Seabra, em Natal.
A defesa feita pelo ex-governador se voltou exclusivamente em uma tentativa de se mostrar distante de tudo o que teria sido elaborado para garantir a rede de fraude no Detran. Na carta que ele enviou à imprensa ainda na quinta-feira, Iberê Ferreira de Souza afirmou que todas as definições relacionadas à atuação nas empresas no Detran, seja por meio de convênio ou com a licitação que beneficiou o Consórcio Inspar, ocorreu em período no qual ele ainda não era governador do Rio Grande do Norte. Em outras palavras, Iberê passou a responsabilidade para a ex-governadora Wilma de Faria.
Já Wilma de Faria adotou tática diferente. Ela, na carta enviada à imprensa no final da tarde da sexta-feira, também se disse vítima, mas de exageros do Ministério Público e falou em "pirotecnia jurídica". A ex-governadora desafiou o Ministério Público a provar seu envolvimento direto no escândalo fraudulento. "Não quero acreditar que a insistência da má fé tenha se transformado em prestação de serviço político da parte de uma instituição que tem o dever de bem acusar os culpados, mas também de bem defender a verdade, para não pré-julgar inocentes, expondo à sanha da opinião pública, intencionalmente confundida. Desafio que provem qualquer envolvimento da minha pessoa nas denúncias de recebimento de propinas ou de conivência com lobistas."

Secretário afirma que Governo comunicou vícios a promotores
As investigações feitas pelo Ministério Público e que apontaram a existência de esquema fraudulento no Detran que teria lucrado cerca de R$ 90 milhões em nove meses foram iniciadas a partir de denúncia formulada por uma empresa que participou do processo licitatório com o Consórcio Inspar - que acabou vencendo. O que reforçou essa tese foi a posição do Governo do Estado acerca das falhas administrativas detectadas em todo o processo. Na sexta-feira, o secretário-chefe da Casa Civil do Governo do Estado, Anselmo Carvalho, afirmou que a governadora Rosalba Ciarlini havia determinado, em fevereiro, o cancelamento da licitação e que os devidos encaminhamentos jurídicos fossem encaminhados para o Ministério Público.
"O Ministério Público já tinha outra investigação e o Governo comunicou que havia detectado falhas administrativas. O Governo tem condições de apurar erros no âmbito administrativo", informou, acrescentando que a governadora, logo no início do ano, havia suspendido o contrato que o Consórcio Inspar havia ganho diante das prováveis falhas que já se evidenciavam. Disse que depois que se analisou todo o processo, o governo constatou que havia vício e cancelou a licitação.

Rosalba não aceitará improbidade no governo
Quando o escândalo relacionado à fraude no Detran foi divulgado pelo Ministério Público, a governadora Rosalba Ciarlini estava cumprindo agenda administrativa em Brasília. Da quinta-feira até o final da tarde da sexta-feira, ela não havia se pronunciado sobre a questão. Contudo, no início da noite da sexta ela falou sobre o episódio, embora indiretamente.
Rosalba tem evitado o discurso de que herdou o governo em frangalhos financeiramente. Ela tem pontuado suas falas em comentários sobre dívida de quase R$ 1 bilhão que teria encontrado ao assumir o Governo do Estado, além de outros problemas de ordem administrativa.
Sobre o caso do Detran, a governadora disse, durante convenção realizada pelo Democratas em Carnaubais - na região do Vale do Açu, que o seu governo não vai tolerar corrupção: "Se começarem a dizer que estão metendo a mão aqui ou acolá e quem souber não me contar, vou considerar conivente", afirmou.
As palavras de Rosalba têm destino certo: a ex-governadora Wilma de Faria, cuja administração foi marcada por acusações de corrupção e três investigações foram executadas e nas quais se teria confirmado a existência de corrupção por meio das operações "Foliaduto", "Foliatur" e "Hígia".
Rosalba disse que não vai macular sua carreira política e reafirmou que não aceitará corrupção em seu governo. "No meu governo não aceito improbidade, doa a quem doer. Fui prefeita três vezes, senadora da República durante quatro anos, e ando de cabeça erguida. Tenho as mãos limpas. Mãos de trabalho. Comecei o governo assim e vou terminar desse jeito", disse.

MP rebate Wilma e afirma existir prova contra ela
As declarações da ex-governadora Wilma de Faria, em nota enviada à imprensa, de que não existiriam provas sobre a sua participação no esquema de fraude no Detran, tampouco contra o filho dela, Lauro Maia, e que estaria sendo vítima de "pirotecnia Jurídica", provocaram reação imediata dos promotores que estiveram à frente dos trabalhos referentes à operação "Sinal Fechado".
Em nota de esclarecimento enviada ontem à imprensa, o MP diz que em nenhum momento os promotores afirmaram que não existiam provas sobre a participação da ex-governadora no esquema montado pelo advogado George Anderson Olímpio da Silveira e que visava lucro de R$ 1 bilhão em prazo de 20 anos com a inspeção veicular.
"Diversas provas já colhidas na investigação Ministerial, portanto, dão conta da implicação e envolvimento da Ex-Governadora Wilma de Faria e seu filho Lauro Maia no aludido esquema", afirma a nota do Ministério Público. Veja a nota abaixo:

NOTA DE ESCLARECIMENTO

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, em razão de notas à imprensa elaboradas pela ex-governadora do RN, Wilma Maria de Faria, e seu filho, advogado Lauro Maia, em que se faz adjetivações negativas a respeito da atuação desta Instituição e se lança um "desafio", vem a público esclarecer o seguinte:
a) É comum que investigados, confrontados com fortes indícios e evidências de sua participação em ilícitos procurem desviar o "foco" do noticiário, por meio da desgastada estratégia de tentar acusar e desafiar o órgão investigador;
b) Quanto à acusação de má-fé por parte desta Instituição, muito provavelmente pelo fato de se ter dado publicidade a provas, indícios e evidências de que a ex-governadora do RN, Wilma Maria de Faria, e seu filho, advogado Lauro Maia, tiveram participação na cadeia criminosa revelada na operação "Sinal Fechado", esta deve ser prontamente repelida;
c) Não existiu qualquer razão metajurídica para tanto. Não houve "pirotecnia jurídica", mormente diante de peças bem elaboradas, claras e tecnicamente precisas. Não existem "medos políticos inconfessáveis" por parte desta Instituição. Ao contrário, o Ministério Público tem se pautado pela investigação e acusação a quem quer que seja, como no caso presente, independentemente de sua suposta importância ou "lado" na cena política; Aliás, todas as menções a Srª Wilma Maria de Faria e ao advogado Lauro Maia constantes nas petições advém de informações obtidas a partir de diálogos mantidos entre os investigados, que de forma expressa registram tais pessoas como beneficiárias das ações da organização criminosa, tendo o Ministério Público, como é de seu dever, levado os fatos ao Poder Judiciário, que reconheceu a procedência dos pedidos e determinou a realização das diligências necessárias à continuação da apuração dos fatos. Não há uma única afirmação feita pelo Ministério Público que não esteja baseada em elementos de evidências e provas, notadamente as próprias palavras dos demais investigados e pessoas referenciadas em interceptações judicialmente autorizadas.
d) Não é verdade que um membro do MPRN teria afirmado inexistir provas contra a ex-Governadora do RN, Wilma Maria de Faria, e seu filho, advogado Lauro Maia, na coletiva de imprensa dada na tarde do dia 24 passado. O que se afirmou foi que não havia necessidade de busca e apreensão na residência destes investigados, dado que, muito provavelmente, não seriam ali encontradas provas a esse respeito, uma vez que os fatos ocorreram em meados de 2009;
e) Ora, as petições levadas a público com autorização judicial, que continuam à disposição no "site" da Instituição (www.mp.rn.gov.br), descreveram de forma minuciosa as diversas provas acerca da participação dos investigados em comento, colhidas ao longo de nove meses de apurações, como diálogos em que se afirma, categoricamente, que George Olímpio pagou vantagem indevida ("propina") a Lauro Maia, bem como fez promessa de pagamento de vantagem indevida a este investigado, além de comunicações telemáticas em que George Olímpio revela que participou ativamente da elaboração de projeto de lei de autoria da investigada Wilma Maria de Faria, tendo recebido a própria mensagem por ela encaminhada à Assembléia Legislativa, com o projeto de lei que resultou na sanção da Lei n.º 9.270/09, o que representou indício de que as propostas a Lauro Maia se destinavam, em verdade, à sua mãe, então gestora máxima do Executivo Estadual;
f) O interrogatório do investigado José Gilmar de Carvalho Lopes (Gilmar da Montana), tomado no dia da operação, e, portanto, após a elaboração das referidas petições corrobora a prova e evidências até então conhecidas, reforçando ainda mais o que já havia sido apurado, principalmente quando o mesmo afirma que, de fato, George Olímpio lhe confidenciou que ofereceu promessa de vantagem indevida à investigada Wilma Maria de Faria, consistente em cota de 15% (quinze por cento) da sua parcela nos futuros lucros do Consórcio INSPAR, como forma de garantir a vitória deste consórcio na licitação para a inspeção veicular no RN;
g) Diversas provas já colhidas na investigação Ministerial, portanto, dão conta da implicação e envolvimento da Ex-Governadora Wilma de Faria e seu filho Lauro Maia no aludido esquema;
h) Importante repisar, apesar de ser de conhecimento público, que o Ministério Público Estadual contesta veementemente a constitucionalidade da Lei n. 9.270/09, que trata da Inspeção Veicular no Estado do Rio Grande do Norte, tanto que representou ao Procurador-Geral da República em face de tal vício, tendo sido ajuizada no Supremo Tribunal Federal a competente Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin n° 4.551). A Adin está sob a relatoria da Ministra Carmén Lúcia, em pauta para julgamento;
i) Por fim, é de se reconhecer que é absolutamente compreensível a insatisfação e, mesmo, a revolta, expressadas por pessoas que estão sendo investigadas por fatos tão graves quanto os descortinados com a operação "Sinal Fechado". É, inclusive, uma reação humana natural e esperada a autodefesa diante da magnitude dos fatos. Todavia, o papel do Ministério Público sempre será regido pelo aspecto técnico, não se deixando envolver partidária e emocionalmente em qualquer caso, nem aceitando desafios pessoais. Afinal, no Estado Democrático de Direito cada instituição deve exercer as suas atribuições, sendo as ações do Ministério Público pautadas dentro da estrita ordem constitucional, da qual jamais se afastará;
j) O Ministério Público do Rio Grande do Norte reafirma o seu total compromisso com a verdade, não havendo qualquer interesse em imputar culpa a pessoas realmente inocentes. Por outro lado, com a mesma serenidade, afirma que jamais deixará de investigar quem quer que seja, inclusive aqueles que, não se sabe por qual motivo, parecem imaginar que estão acima da lei.

Natal/RN, 26 de novembro de 2011.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Fonte: Defato

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