O Rio Grande do Norte registrou, entre 1º de janeiro e 31 de julho de 2023, um total de 303 pessoas desaparecidas, marcando o maior índice dos últimos três anos. Isso representa um aumento de 7,83% em comparação com o mesmo período do ano anterior, quando foram contabilizadas 281 ocorrências de desaparecimentos. Esses números equivalem a aproximadamente 50 casos por mês, contrastando, com os 179 casos reportados em 2021 e os 281 em 2022. Os dados são da Coordenação de Informações Estatísticas e Análise Criminal (Coine), vinculada à Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesed/RN).
Luciene Viana do Carmo está desaparecida desde 2019. Mãe dela, Antônia, dedica a vida a saber o que aconteceu com a filha
A falta de qualquer esclarecimento, ou mesmo a ausência de um corpo, paralisa a vida dos parentes de pessoas desaparecidas. Isso representa apenas o início de uma jornada em direção a um abismo emocional interminável. Por trás dos números frios da estatística, há famílias mergulhadas em dor, lágrima e angústia, travando uma batalha incansável por respostas sobre o paradeiro de seu ente querido. A incerteza sobre o destino é um fardo constante que acompanha esses familiares ao longo dos anos e, por vezes, até décadas.
A dona de casa, Antônia Viana, 65 anos, dedica sua vida à busca por informações sobre sua filha, Luciene Viana do Carmo, de 40 anos, cujo paradeiro permanece um mistério desde 2019. Imagens, obtidas pela família, das câmeras de segurança, mostram o carro dela diminuindo a velocidade e outro veículo estacionando ao lado, na avenida Praia de Muriú, em Ponta Negra, zona Sul de Natal. A cena revela uma ligeira movimentação, no entanto, não é possível identificar as pessoas. O veículo foi encontrado em boas condições, sem danos visíveis e permanecia completamente fechado. Uma análise forense foi conduzida, mas não resultou na descoberta de vestígios de sangue, nem de indícios de violência. Luciene tinha o sonho de se tornar enfermeira e deixou para trás dois filhos e a família.
Com o coração “dilacerado” e profundamente “angustiada”, em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Antônia Viana desabafou que “a dor que sinto é tão grande, que não desejo para ninguém, nem para a pessoa que fez isso com ela. Só quero saber o que fizeram com ela, se mataram, onde jogaram (o corpo) dela. Se minha filha estiver morta, mostre o lugar para que a gente possa fazer o enterro digno, nem que seja só dos ossos dela. É difícil falar isso. São muitas mães sentindo a mesma dor que estou sentindo. Eu, com o coração de mãe, sinto que ela está (presa) em algum lugar com vida, mas não tem como se comunicar com a gente”.
E completou: “Todo dia pergunto: ‘Deus, cadê a minha filha? O que fizeram com ela?’ Eu queria pedir para quem fez isso com ela, se sabe de alguma coisa, que não tenha medo de fazer uma denúncia anônima (para a polícia civil) e falar onde ela está, porque é muito dolorido para mim, como mãe. O filho dela, quando chega em datas especiais, fica nervoso, vive fazendo tratamento. A nossa situação financeira ficou muito complicada e o meu desejo é encontrar a minha filha. Mas, não tem nenhum vestígio, não sei como a pessoa desaparece desse jeito (sem deixar rastros)”, lamentou.
O primeiro a perceber o desaparecimento de Luciene Viana do Carmo foi seu filho. No dia seguinte, ao notar que sua mãe ainda não havia retornado para casa, ele fez uma ligação para o celular dela. No entanto, a chamada foi atendida por outra pessoa, que informou ter encontrado o aparelho na Via Costeira, em Natal.
O sumiço de Luciene Viana do Carmo está sob investigação do delegado Cláudio Henrique, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Contudo, segundo a família da vítima, devido à falta de novas pistas, o caso permanece parado. A DHPP confirma que, como não há pistas, a investigação está parada.
Sempre que olha a foto da irmã, João Paulo, 36 anos, não consegue segurar as lágrimas. Irmão caçula, ele recorda o último encontro que teve com Luciene. Foi um dia antes de seu desaparecimento. Ainda com um nó na garganta, ele descreve a cena com detalhes.
“Eu fui deixar o meu sobrinho e disse: ‘Zenhiha’ eu não vou nem abrir (o portão) porque estou com dor de cabeça. E essa foi a última vez que vi ela, por trás de uma grade, um portão. Não tive como dar um abraço nela. A vida sem ela é muito difícil. Tem muitas coisas que eu conversava com ela, mas que agora, fico sozinho, guardando para mim, né? Não sei se você tem irmão, mas o desabafo de irmão, que a gente anseia, porque temos amigos, mãe e pai, mas sempre temos aquele irmão mais chegado, que contamos as situações difíceis”.
Quando questionados sobre os resultados das investigações até o momento, João Paulo afirma “que não teve êxito em nenhuma investigação, porque até onde a câmera conseguiu ‘acompanhar’, não teve como ver quem estava dentro do carro. Hoje o caso dela se encontra arquivado ou parado, por falta de informações, pistas. Não tem como dar sequência sem pistas, sem suspeitos. A gente clama por justiça”, finalizou.
“A gente não vive, vegeta”, diz irmã de pedreiro
A busca por respostas também é uma angústia compartilhada pela família de Cleiton Severino Silva, 29 anos, servente de pedreiro. Ele foi avistado pela última vez em 03 de fevereiro de 2023, na rua Doutor Mário Negócio, no bairro das Quintas, na região Oeste de Natal. A dona de casa Edcleide Severiano da Silva, 46 anos, irmã do servente de pedreiro, e a sua mãe, de 80 anos, sofrem todos os dias por não saber o que aconteceu com Cleiton.
A dona de casa Edcleide Severiano da Silva, e a sua mãe, de 80 anos, sofrem todos os dias por não saber o que aconteceu com Cleiton
A minha mãe perdeu muito peso, a gente não vive, a gente vegeta. Ela vive a base de medicamentos, porque eu não sei como é que um ser humano tem um coração tão mal, a ponto de fazer isso com o meu irmão, porque hoje em dia ninguém da família é a mesma pessoa. Cada dia é um dia. Eu não oro muito pelo meu irmão, mas sim pelas pessoas que fizeram isso com ele”, desabafou.
De acordo com Edcleide, a descoberta do desaparecimento do seu irmão veio por meio de uma amiga que estava envolvida com ele na época. Repentinamente, essa conexão foi perdida, e o contato com Cleiton cessou de forma abrupta. Uma terceira pessoa, aparentemente envolvida, gravou um áudio afirmando que Cleiton havia sido levado para um local coberto de vegetação e lá enterrado. A vítima residia na casa de sua mãe, localizada no bairro Nordeste.
“Ele é filho adotivo, a minha mãe tem quatro filhos legítimos e ele adotivo, mas era Deus no céu e ele na terra. Ele era o caçula da família. Minha mãe nunca bateu em meu irmão, nem com uma rosa”.
E completou: “Eu esperava que a DHPP desse uma resposta á família, não que fosse dizer quem fez isso com o meu irmão, mas pelo menos, desse a resposta com a ossada para a gente poder fazer um enterro digno para o meu irmão e a minha mãe descansar um pouco mais o coração dela”, concluiu.
DHPP: 90% dos casos são resolvidos
O delegado Cláudio Henrique exerce a função de chefe da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) há cerca de três anos. Durante uma entrevista à TRIBUNA DO NORTE, ele esclareceu que entre 80% e 90%, dos casos que chegam à delegacia são solucionados. Cláudio é o responsável pelas investigações do desaparecimento de Luciene Viana do Carmo.
Delegado disse que entre 80% e 90%, dos casos que chegam à delegacia, são solucionados
“A política nacional de pessoas desaparecidas diz que as investigações devem ser iniciadas de forma imediata. É muito melhor a gente pecar pelo excesso, porque esse desaparecimento pode ser um caso real, onde a pessoa pode está sequestrada ou morta. Mas, se for um desaparecimento voluntário, onde a pessoa ficou sem comunicação, isso será resolvido em pouco tempo. Então, é melhor que esse registro e buscas sejam feitas de imediato, do que a gente deixe passar as primeiras horas, que são essenciais para a investigação. É melhor a gente perder um tempo, do que a prova”, explicou.
Segundo o delegado, é crucial adotar uma abordagem distinta ao compreender o fenômeno do desaparecimento, em contraste com o fenômeno da criminalidade em geral. Ele enfatiza que a análise não deve se limitar a avaliar se houve um aumento ou diminuição dos registros de pessoas desaparecidas, pois em algumas situações, o que se observa é uma elevação nos registros, porém não necessariamente um incremento real no número de casos de desaparecimento.
De acordo com Cláudio Henrique, “aqui em Natal, na verdade, manteve-se o número igual de desaparecimentos, o que acontece é que foram criadas novas Delegacias de Homicídios na Grande Natal e essas unidades passaram a ter atribuição especializada no desaparecimento e, além disso, as pessoas estão procurando mais, então o que houve foi um aumento do registro de desaparecidos em várias cidades do interior do (Estado), simplesmente porque as pessoas estão procurando mais esse registro, inclusive o que deu um ‘boom’ no (número) de desaparecimentos foi a possibilidade de fazer o Boletim de Ocorrência online”, pontuou.
Brasil
Em 2022, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, o Brasil registrou 74.061 pessoas desaparecidas, média de 203 desaparecimentos diários. Do total de registros, 46,7% se concentram na região Sudeste, em muito puxados pelo estado de São Paulo, que registrou 20.411 ocorrências. Em seguida a região Sul, com 22,3% do total, cujo destaque é o Rio Grande do Sul, em que os registros alcançaram a marca de 6.888 ocorrências. A região Nordeste, por sua vez, concentrou 14,8% do total, seguida pelas regiões Centro-Oeste e Norte, que concentraram 9,7% e 6,5%, respectivamente.
Ao mesmo tempo, o número absoluto dos registros de localização também cresceu. Se em 2021 eles totalizaram 33.794, em 2022 eles atingiram 39.957, aumento de 18,2%. Não é possível dizer, entretanto, se as pessoas localizadas em 2022 desapareceram no referido ano ou em períodos anteriores. Não é possível dizer, também, se os registros de localização foram abatidos das ocorrências dos desaparecimentos, com exceção do Distrito Federal, mencionado anteriormente.
Analisando a série histórica, de acordo com o do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, é possível observar a queda acentuada dos registros no ano de 2020 em comparação ao período anterior, considerando que este foi o ano marcado pelo início da pandemia de Covid-19. Com o isolamento social, o número de idas à delegacia para registrar o desaparecimento pode ter diminuído, embora em vários estados seja possível registrá-lo, como é o caso de São Paulo, via boletim eletrônico.
Fonte: Tribuna do Norte