O Talibã chegou neste domingo (15) a Cabul e entrou na capital do Afeganistão após horas de cerco e a fuga do presidente, Ashraf Ghani. O grupo extremista, que defendia uma rendição pacífica do governo, afirmou ter tomado controle do palácio presidencial.
Abdullah Abdullah, ex-vice-presidente e chefe do Conselho Superior para a Reconciliação Nacional, disse que Ghani "abandonou a nação".
Ghani disse que deixou o país para evitar um banho de sangue. Ele afirmou que "incontáveis patriotas seriam martirizados e a cidade de Cabul seria destruída" se permanecesse.
"O Talibã venceu ... e agora é responsável pela honra, propriedade e autopreservação de seus compatriotas", disse ele em um comunicado postado no Facebook.
"Agora eles enfrentam um novo teste histórico. Ou preservam o nome e a honra do Afeganistão ou dão prioridade a outros lugares e redes", acrescentou.
Segundo a rede egípcia Al Jazeera, um ex-guarda-costas do presidente informou que o Palácio presidencial foi entregue oficialmente ao Talibã.
Um alto oficial do Ministério do Interior afegão disse à agência de notícias Reuters que Ghani embarcou para o Tajiquistão, que faz fronteira com o norte do Afeganistão.
O presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, durante discurso na conferência de 2021 da Ásia Central e Sul em Tashkent, no Uzbequistão, em 16 de julho de 2021 — Foto: AP
Já o ministro do Interior, Abdul Sattar Mirzakwal, gravou um vídeo em que garante uma "transferência pacífica de poder".
"Os afegãos não precisam se preocupar, não haverá ataque", disse o ministro. "Haverá uma transferência pacífica de poder para um governo de transição."
O cerco do Talibã em Cabul ocorre 20 anos depois de o grupo extremista ser expulso da capital afegã pelos Estados Unidos, que invadiram o país dias após os ataques de 11 de setembro de 2001, e em meio à retirada dos militares norte-americanos do país (leia mais adiante na reportagem).
Suhail Shaheen, porta-voz do Talibã, fez um "chamado ao presidente Ashraf Ghani" e a outros líderes para que atuem também em uma "transição pacífica de poder" para o grupo extremista islâmico.
"Nossa liderança instruiu nossas forças a permanecerem nos portões de Cabul, não a entrar na cidade", disse o porta-voz em uma entrevista à BBC. "Estamos aguardando uma transferência pacífica de poder."
Helicóptero militar sobrevoa a capital do Afeganistão, Cabul, em 15 de agosto de 2021 — Foto: Reuters/Stringer
Shaheen já vem anunciando o que pode ser considerado uma série de "medidas de governo", mesmo sem o reconhecimento oficial, como o respeito à imprensa, à diplomacia e a autorização para que mulheres possam deixar suas casas sozinhas.
"Asseguramos às pessoas, especialmente na cidade de Cabul, que suas propriedades e suas vidas estão seguras", disse o porta-voz.
Direitos das mulheres
Quando o Talibã governou o Afeganistão pela última vez, de 1996 a 2001, as mulheres não podiam trabalhar, as meninas não podiam frequentar a escola e todas tinham que cobrir o rosto e estar acompanhadas por um parente do sexo masculino se quisessem sair de casa.
As mulheres que infringissem as regras às vezes sofriam humilhações e espancamentos públicos pela polícia religiosa do Talibã que atuava sob uma interpretação bastante rígida da sharia, a lei islâmica.
Desta vez, no entanto, porta-vozes do grupo garantem que irão respeitar os direitos das mulheres, com acesso à educação e ao trabalho – mas com a obrigatoriedade do uso do hijab, lenço que cobre os cabelos e rosto.
Eles também afirmaram que as mulheres terão autorização para deixar suas casas sem a companhia de um membro homem da família. Essa mudança no discurso vem sendo apontada por especialistas em Oriente Médio como uma forma do movimento se aproximar da comunidade internacional.
Saída de diplomatas
Em um comunicado, o Talibã garantiu neste domingo que "todas as embaixadas, centros diplomáticos, instituições, lugares e cidadãos estrangeiros em Cabul não enfrentarão nenhum perigo".
Os Estados Unidos concluíram neste domingo a retirada de seus diplomatas que trabalharam na embaixada do país em Cabul e a bandeira norte-americana foi retirada do local. O país também apressou a emissão de vistos para colaboradores, como tradutores e jornalistas afegãos que prestaram serviços aos EUA.
"Aconteceu mais rápido do que pensávamos", disse o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em entrevista à rede americana CNN.
Blinken disse que Washington investiu bilhões de dólares em quatro governos dos EUA nas forças do governo afegão, dando a eles vantagens sobre o Talibã, mas, ainda assim, não conseguiram impedir o avanço do grupo.
O Itamaraty não tem registro de brasileiros vivendo no Afeganistão. Também não está prevista, por ora, medida de proteção específica para os funcionários da embaixada em Islamabad, uma vez que a cidade não está em zona de conflito.
O Reino Unido ordenou a saída imediata de cidadãos britânicos das cidades afegãs.
O governo da Alemanha enviou aviões para ajudar na retirada de seus diplomatas, fechou sua embaixada em Cabul e pediu a saída imediata de alemães que vivam no país. Segundo reportagem do jornal "Bild", tradutores e colaboradores afegãos que atuaram com o governo de Berlim também serão retirados da capital.
A Rússia não planeja retirar seus funcionários de sua embaixada em Cabul, enquanto os combatentes talibãs cercam a capital afegã, assegurou uma autoridade russa à agência Interfax.
"Nenhuma evacuação está planejada", declarou Zamir Kabulov, o enviado do Kremlin ao Afeganistão, destacando que estava "em contato direto" com o embaixador russo em Cabul, cujos colaboradores continuam a trabalhar na embaixada.
A Rússia é um dos países que receberam garantias do Talibã quanto à segurança de suas embaixadas, disse Kabulov.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) confirmou que continuará com sua presença diplomática em Cabul e oferecerá apoio para que o aeroporto da capital continue funcionando, segundo informações da agência de notícias Reuters.
Neste domingo, entretanto, anunciou que todos os voos comerciais foram suspensos no aeroporto da capital afegã.
"A Otan está constantemente avaliando os desenvolvimentos no Afeganistão", disse um funcionário da entidade que não foi identificado."A segurança de nosso pessoal é primordial e continuamos a ajustar conforme necessário. Apoiamos os esforços afegãos para encontrar uma solução política para o conflito, que agora é mais urgente do que nunca."
Em abril, o presidente Joe Biden havia anunciado que todos deixariam o Afeganistão até 11 de setembro deste ano.
O Talibã avançou rapidamente depois de que a maior parte das forças lideradas pelos EUA deixaram o país em julho, e a chegada do grupo extremista a Cabul ocorre antes do previsto pelas autoridades norte-americanas.
Segundo a agência de notícias Reuters, a estimativa dos serviços de inteligência norte-americanos era que o Talibã isolaria a capital em setembro, e que uma eventual tomada do poder ocorreria apenas novembro.
Salvo-conduto para fuga
Segundo informações do jornal "The New York Times", o Talibã afirmou em um comunicado estar em negociações com o governo, mas não vai tomar a capital afegã à força. Ainda de acordo com o jornal, o grupo extremista diz que o governo ainda não respondeu a esse comunicado.
Depois do avanço relâmpago em direção à capital e maior cidade afegã, o grupo insurgente ordenou a seus combatentes que diminuam a violência e permitam a passagem segura de qualquer pessoa que queira deixar o país.
O Talibã ainda sugeriu que mulheres se dirijam a áreas protegidas, declarou um líder do grupo em Doha, no Catar.
"Não queremos que um único civil afegão inocente fique ferido ou seja morto enquanto tomamos o poder, mas não declaramos um cessar-fogo", afirmou uma autoridade do Talibã, segundo a agência de notícias Reuters.
No Vaticano, em seu discurso semanal, o Papa Francisco clamou por diálogo no Afeganistão para que cessem os conflitos, a fim de que a população afegã possa viver em paz, segurança e respeito mútuo.
Membros do Talibã na província de Laghman, Afeganistão, em 15 de agosto de 2021 — Foto: AFP
Escalada do Talibã
Mais cedo, o Talibã havia tomado a cidade de Jalalabad, no leste do país, o que fez a capital Cabul ser a única das grandes cidades afegãs sob controle do governo.
As autoridades informaram que a tomada de Jalalabad ocorreu sem confrontos e que a segurança das estradas que ligam o país ao Paquistão estava garantida. A nação vizinha reagiu e fechou a passagem de fronteira de Torkham.
No sábado (14), o Talibã tomou Mazar-i-Sharif, principal cidade do norte afegão; e Pul-e-Alam, capital da província de Logar, a 70 quilômetros de Cabul. Na quinta-feira, já havia assumido o controle de Kandahar e Herat, segunda e terceira maiores cidades do país.
Também no sábado, o presidente do Afeganistão, Ashraf Ghani, garantiu que o combate contra o Talibã continuava.
"A remobilização de nossas forças de segurança e defesa é nossa prioridade número um e medidas sérias estão sendo tomadas para esse fim", disse Ghani, em um discurso.
As ações do grupo insurgente, que vem controlando parte do país, ganhou força com a retirada das tropas americanas, há cerca de três semanas.
Em julho, os americanos devolveram a base aérea de Bagram – principal instalação militar do país – ao governo afegão. Ainda há soldados em Cabul, que devem retornar aos EUA até o dia 11 de setembro.
Fonte: G1