O Congresso aprovou nesta segunda-feira (29) um projeto de resolução que cria regras para execução das emendas de relator – conhecidas como "orçamento secreto" – e propõe a adoção de um limite de valor para essas emendas.
O placar entre os deputados foi de 268 votos favoráveis e 31 contrários. No Senado, a votação foi apertada e o texto passou por 34 votos a 32. O texto vai à promulgação.
As sessões do Congresso costumam ser conjuntas, mas em razão da pandemia do novo coronavírus, deputados e senadores têm votado em reuniões separadas, primeiro na Câmara e depois no Senado.
Pelas regras atuais, não há limite para o valor dessas emendas e não é possível identificar o parlamentar que solicitou os gastos. Esse dinheiro também não é dividido igualmente entre os deputados e senadores, o que fere o princípio da impessoalidade.
Até 2019, as emendas de relator eram usadas para correções pontuais no orçamento, com valores bem menores. Contudo, a partir do Orçamento de 2020, o Congresso aprovou alterações no padrão da sua execução e criou uma rubrica específica para esses recursos. Com isso, o montante saltou para uma previsão de R$ 30 bilhões nos últimos anos.
Segundo o projeto aprovado, o valor das emendas de relator não poderá ultrapassar a soma das chamadas emendas individuais e de bancada. Em 2021, essas emendas foram, respectivamente, de R$ 9,6 bilhões e R$ 7,3 bilhões. Se valesse para esse ano, o teto para as emendas de relator seria de R$ 16,9 bilhões – valor que, de fato, corresponde à dotação atual deste tipo de recurso.
Inicialmente, o Orçamento deste ano previa um montante de R$ 29 bilhões para as emendas de relator. Contudo, após acordo com a equipe econômica, esse valor foi reduzido.
Para o próximo ano, se os valores forem mantidos segundo a previsão enviada pelo governo, o teto será de R$ 16,2 bilhões.
Na avaliação de técnicos do Congresso, o limite é muito elevado e coloca muitos poderes nas mãos de uma única pessoa – o relator-geral do Orçamento.
Segundo esses especialistas, o parecer presume que as emendas de relator são mais importantes que as duas emendas impositivas juntas. Um valor razoável, para os técnicos, seria, por exemplo, metade das emendas individuais ou de bancada – portanto, entre R$ 3,5 bilhões e R$ 4,5 bilhões.
O que diz o projeto
O relator da matéria, senador Marcelo Castro (MDB-PI), defende que o texto é uma tentativa de resolver a questão da transparência no repasse das verbas ao prever que as indicações e solicitações que fundamentaram as emendas sejam publicadas no site da Comissão Mista de Orçamento (CMO).
A proposta, porém, não deixa explícito que o nome do parlamentar que pediu as emendas seja publicizado. O parecer prevê que as solicitações podem ser de "parlamentares, agentes públicos ou da sociedade civil".
Técnicos do Congresso avaliam que essa é uma brecha para manter ocultos os nomes de senadores e deputados que demandaram os recursos. Pela redação do parecer, por exemplo, um parlamentar poderia enviar o ofício de solicitação em nome da prefeitura que receberá as emendas.
“É um leque interminável de entes que podem muito bem fazer uma requisição e o ‘super relator’ de novo definir da forma que quiser, porque todos estão representados em um desses entes”, afirmou o deputado Danilo Forte (PSDB-CE).
Além disso, o projeto estabelece que essas regras valem apenas após a publicação do projeto, ou seja, verbas já indicadas na modalidade emenda de relator em 2020 e 2021 continuarão a ter o nome dos solicitantes ocultos.
A proposta também não faz menção à distribuição igualitária dessas verbas. Essa é uma das principais preocupações de técnicos do Congresso.
Da forma como foi proposto, o relatório não traz isonomia na distribuição das emendas entre os parlamentares, nem no atendimento dos municípios. Isso poderia privilegiar aliados do governo e, assim, ajudar a formar maiorias em votações de interesse do Executivo.
Por exemplo, um município com poucos habitantes poderia receber muito mais recursos que um município maior, desde que atendesse à base aliada do governo. Do mesmo modo, um deputado ou senador próximo ao governo pode ter direito a mais indicações dessas emendas.
Discussões
A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) afirma que o projeto não resolve o problema da transparência e mantém a possibilidade de negociações “obscuras” com dinheiro público.
“Ele [o projeto] não ataca em nada o problema, continua com o mesmo problema de não saber de quem indica, como indica e para que vai. A gente continua com o mesmo problema de ter balcão de negócios obscuro aqui dentro”, afirmou a deputada.
“Na nossa visão, o projeto de resolução não ataca esses problemas, nem de transparência, nem de mostrar para que serve, nem de estar vinculado a alguma política pública, nem de tratar todo cidadão de forma igual. E tem mais um problema constitucional, que é a questão da isonomia dos parlamentares. Não tem cabimento um indicar 100 e outro indicar nada”, acrescentou Adriana.
Para o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), o projeto mantém a falta de transparência sobre o orçamento secreto e deixa aliados do governo sob o controle de recursos públicos.
“É razoável permitir que R$ 17 bilhões sejam liberados sem qualquer critério público? O dinheiro público não pode ser destinado aos parlamentares de acordo com sua proximidade ou distância do governo. O dinheiro público tem que ter uma finalidade que atenda o interesse público, a critérios técnicos, objetivos, impessoais, isonômicos. O que essa proposta faz é o oposto disso, é colocar nas mãos do Centrão o controle sobre quem receberá essas emendas ou não, do presidente desta Casa, a Câmara dos Deputados, e do presidente do Senado”, disse Molon.
Vice-líder do governo no Congresso, o deputado Aluísio Mendes (PSC-MA) defendeu o projeto de resolução e chamou de "fake news" que as emendas de relator são um orçamento secreto.
"O que se fez no RP-9 [código formal das emendas de relator] foi trazer luz a essa execução. E aqui quero parabenizar o senador Marcelo Castro, porque, com essa resolução, mais transparência é trazida. Quero dizer aqui que nós temos que parar com esse discurso de falta de transparência, de orçamento secreto", disse.
O líder do PP, Cacá Leão (PP-BA), que em 2019 foi relator da lei orçamentária que criou a rubrica específica da emenda de relator, disse que esse tipo de recurso dá mais transparência às indicações.
"A partir da criação desta rubrica orçamentária, todos esses acordos são feitos às claras, à luz do dia, como é muito bem dito nesta Casa. Vejo os colegas criticarem essa medida e penso que eles entendem muito pouco ou quase nada do Orçamento", disse.
Para o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o tema voltará a ser discutido no Supremo Tribunal Federal.
"É um acinte imaginar que o presidente do Senado e o presidente da Câmara tenham se unido para mentir ao STF porque é mentira que não é possível identificar autorias dos pedidos das emendas que movimentaram mais de R$ 30 bilhões de reais nos últimos dois anos. Não temos direito, perante os brasileiros, perante Constituição, e fazer papel de besta, como se fôssemos crianças inocentes, que não soubéssemos que R$ 30 bilhões passaram por essas mesas e ninguém anotou, ninguém registrou de onde ia, para onde vinha", afirmou Vieira.
Simone Tebet (MDB-MS) protestou contra a aprovação do projeto, que classificou como "afronta" ao Supremo Tribunal Federal.
"A Mesa Diretora quer afrontar o Supremo não na sua individualidade como Mesa Diretora, mas quer que todos nós ratifiquemos o erro grosseiro que estamos cometendo contra a democracia brasileira, contra a soberania popular, porque, sim, a soberania popular também está violada. O povo, que paga os impostos, tem o direito de saber onde seus recursos estão sendo aplicados", disse a emedebista.
'Descumprimento formal e ostensivo'
Em nota divulgada nesta segunda-feira, a Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado apontou que o ato conjunto elaborado pela Câmara e pelo Senado assume o "descumprimento formal e ostensivo" da decisão do Supremo.
No parecer, a área técnica do Senado contradiz a argumentação dos presidentes Arthur Lira e Rodrigo Pacheco de que há "impossibilidade fática” de criar um procedimento para o registro das demandas dos deputados.
"Se houve 'milhares de demandas' e os relatores-gerais encaminharam-nas na forma de indicações, algum tipo de procedimento organizativo tiveram para fazê-lo, e algum registro documental ou informacional mantiveram para seu próprio controle; caso contrário, teriam agido sem saber o que estavam fazendo (o que evidentemente não é o caso)", escreveu a consultoria.
A nota aponta ainda que o argumento é “comprovadamente falso” e que investigações da imprensa reuniram "copiosa documentação oficial relativa a demandas em busca de emendas de relator-geral, além de outras fontes que dispunham da documentação, mas simplesmente se recusaram a torná-la pública".
'Brecha sempre existirá'
Questionado sobre a possibilidade de o nome dos parlamentares continuarem ocultos na solicitação da emenda de relator, Castro disse que o texto busca dar clareza às indicações, mas admitiu que o problema ainda não está resolvido.
“Uma brecha sempre existirá", afirmou Marcelo Castro, relator do projeto de resolução.
Em relação ao problema da equidade, o fato de nem todos os parlamentares terem direito ao dinheiro, Castro disse que a questão será discutida na Comissão Mista de Orçamento (CMO).
“Eu não trato dessa questão na resolução. A resolução não é o lugar próprio de tratar disso, o lugar próprio é no parecer preliminar. Na próxima semana vamos votar o parecer preliminar na CMO, a comissão composta para poder fazer o orçamento. Ela que vai estabelecer as normas de como vai fazer e como vai executar”, afirmou.
Decisão do STF
Em decisão no último dia 5, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber suspendeu o pagamento das emendas de relator e determinou que o Congresso desse "ampla publicidade" às solicitações feitas por parlamentares em 2020 e 2021.
A decisão da magistrada foi referendada, por 8 votos a 2, pelo plenário da Corte.
Nesta segunda-feira, em Curitiba (PR), Rodrigo Pacheco foi questionado se a proposta aprovada pelo Congresso iria, ou não, na contramão do que foi decidido pelo STF.
Contrariando a nota técnica da Consultoria do Senado, Pacheco negou descumprimento da decisão e repetiu argumento, já apresentado pelo Congresso à Corte, de que "não é possível" detalhar todas as emendas que já foram indicadas.
“Até o presente momento, com a norma que existe, que é a norma da emenda de relator, há uma concentração na figura do relator, e não há registros formais relativamente a isso [as solicitações de parlamentares]. Não é possível nós, a essa altura, declinarmos tudo quanto foi inserido no relator a partir do seu próprio conhecimento, do trabalho que ele fez na comissão de orçamento do Congresso”, disse o presidente do Senado.
“Se isso era um defeito ou não, pode até ser apontado como defeito, mas isso não é um indicativo de que o recurso está sendo mal-usado ou está havendo malversação ou desvio de recurso público, definitivamente não. Malfeito pode existir em emenda de relator, emenda individual, emenda de bancada, emenda de comissão, em orçamento de ministérios e esses malfeitos precisam ser combatidos e há mecanismos de combate desses malfeitos, desses desvios, desses crimes, mas não é a existência da emenda de relator que é por sua natureza algo ilícito, porque definitivamente não é”, acrescentou Pacheco.
Fonte: g1