Os registros de novas armas de fogo concedidos Polícia Federal deram um salto nos últimos meses após os decretos assinados por Jair Bolsonaro que facilitaram a posse e o porte.
Até o presidente mudar as regras, em maio, a média de 2019 era de 3,5 mil autorizações por mês. Em junho, julho e agosto, no entanto, essa média passou a 6,2 mil – um aumento de 80%. Além disso, em 8 estados, a soma já supera o total de concessões de 2018: Acre, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Roraima e Tocantins.
Os dados foram revelados pelo jornal "O Globo" nesta terça-feira (29). De acordo com a reportagem, o total de registros ativos expedidos pela PF até setembro ultrapassou 1 milhão (estão incluídas aí tanto autorizações para armas novas quanto para aquelas que expiraram e foram renovadas). Ao longo de todo o ano passado, esse número ficou em 678,3 mil.
Veja, abaixo, os destaques do aumento do nº de novos registros em 2019:
36.009 foi o total de novos registros entre janeiro e agosto; ao longo de todo o ano de 2018, foram 47.691;
3.455 foi a média mensal entre janeiro e maio;
6.244 foi a média em junho, julho e agosto (após os decretos de Bolsonaro).
No Brasil, o registro de armas é feito por duas entidades. A PF é responsável pelas solicitações de cidadãos em geral, além de policiais, guardas e membros do Ministério Público e do Judiciário, entre outras categorias.
Já o Exército fornece autorizações a caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) e integrantes das Forças Armadas.
"A gente está tendo uma explosão de compra de armas para defesa", avalia o gerente de projeto do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, em entrevista ao G1 por telefone, ao comentar o crescimento dos novos registros.
De acordo com ele, há três pontos nos decretos atualmente em vigor e mais impactaram nesse aumento da média mensal de compra de armas:
o fim da exigência segundo a qual o interessado em comprar armas precisava comprovar efetiva necessidade de ter o armamento;
o aumento do limite máximo de armas que um a pessoa (quatro) pode apresentar justificativa (apenas se passar de quatro é que existe a exigência);
a ampliação da potência das armas quem podem ser adquiridas pela população em geral.
"Antes, tinha de comprovar efetiva necessidade de ter arma – era um dos requisitos exigidos pela PF. O delegado podia dizer, por exemplo, que se você mora numa área segura, você não tem motivo para ter autorização", afirma Langeani.
"Quando se retira essa essa exigência legal, o delegado passa a ser obrigado a conceder registro a todo mundo que pedir autorização para comprar arma."
"O outro ponto é com relação à liberação dos tipos de arma. O decreto aumentou em quatro vezes a potência do que é arma de uso permitido. Então, calibres que antes eram de uso policial ou militar, como 9 mm e .40, passaram a ser armas que civis podem comprar", diz Langeani.
"Ao aumentar o cardápio disponível para civis, pode-se fazer com que mesmo pessoas que já tinham armas passem a ir atrás de armas mais potentes."
Com relação ao aumento do limite máximo de armas permitidas, ele explica: "Além dessa possibilidade de um cardápio maior, a pessoa pode ter até quatro armas que ninguém vai perguntar nada, mesmo que ela tenha uma casa só".
Ainda de acordo com o especialista, uma quarta explicação pode ser citada, embora esta tenha "efeito mais temporário".
"O primeiro decreto de maio autorizou o porte de arma para uma série de categorias. Nesse ponto específico, Bolsonaro teve de voltar atrás, porque o Senado se manifestou contra e tinha ação contra. Mas, durante semanas, essas categorias puderam requisitar porte. Então, muita gente que tinha interesse em porte também foi atrás dessa liberação, para também comprar arma com o objetivo de andar na rua."
Como estão as regras hoje
Desde que assumiu a Presidência da República, em 1° de janeiro, Bolsonaro editou sete decretos para facilitar a posse e o porte de armas, uma de suas promessas de campanha.
O direito à posse é a autorização para manter uma arma de fogo em casa ou no local de trabalho. Para andar com uma arma na rua, é preciso ter direito ao porte, cujas regras são mais rigorosas.
Na prática, três novos textos estão em vigor. Em linhas gerais, facilitam a posse e ampliam a potência das armas que podem ser liberadas para o cidadão comum.
Com relação à posse, um dos decretos, o nº 9,845, diz que a PF presume como verdadeira a declaração de efetiva necessidade apresentada por quem deseja ter arma. Decretos anteriores restringiam essa efetiva necessidade a, por exemplo, seguranças, militares ou residentes de áreas rurais e urbanas com elevados índices de violência.
Outro decreto também em vigor, o nº 9.847, retira a declaração de efetiva necessidade da lista de critérios.
Projeto de lei
Além dos decretos, o governo elaborou um projeto de lei sobre o assunto, que ainda será analisado pela Câmara e pelo Senado.Esse projeto altera o Estatuto do Desarmamento e deixa em aberto a possibilidade de ser ampliado, através de regulamentação, o número de categorias profissionais com direito a porte de arma.
Em 14 de outubro, o relator do projeto que trata do porte e da posse de armas, deputado Alexandre Leite (DEM-SP), divulgou o parecer sobre o tema. No relatório, ele sugeriu mudanças em relação ao texto enviado pelo governo federal, entre as quais:
retirada do trecho que previa concessão do porte a categorias profissionais por regulamento (sem mudança na lei);
inclusão das regras para caçadores, atiradores e colecionadores que constava de um projeto do Senado.
Mourão comenta matéria de 'O Globo'
O presidente em exercício, Hamilton Mourão, comentou nesta terça a reportagem de "O Globo". Ele disse que é "pouco" o número de armas registradas no país até setembro (1 milhão).
"Questão de arma é questão do livre arbítrio das pessoas, e desde que elas se enquadrem no que prevê a legislação... Nós temos 220 milhões de habitantes, 1 milhão de armas está pouco, tem que ter mais. Fora o que está nas mãos de bandidos e não está contado", afirmou.
Em agosto, a população brasileira foi estimada em 210,1 milhões de habitantes em 5.570 municípios, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Fonte: G1