‘Eu sou coordenador de uma ocupação e estou com um problema para resolver. Podemos remarcar para amanhã?”. Essa foi a mensagem que Célio Cícero de Lima, 26 anos, se viu obrigado a enviar uma hora antes da entrevista marcada com a reportagem sobre as pessoas em situação de desalento, como é o seu caso. Célio não tem emprego, nem está à procura, mas isso não o faz menos ocupado. Membro do Movimento de Lutas de Bairros, Favelas e Vielas (MLB), coordena há seis meses 158 famílias assentadas na “Ocupação Olga Benário” de maneira voluntária, segundo afirma.
Célio Cícero de Lima, de 26 anos, trabalhou como gesseiro antes de ficar sem ocupação. Ele parou de procurar trabalho
Assim como ele, que pensa, no futuro, em retornar para a força de trabalho na tentativa de conseguir uma ocupação de renda, outras 178 mil pessoas no Rio Grande do Norte estão categorizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como “desalentadas”. Estão nessa categoria as pessoas que não possuem e nem procuram nenhuma ocupação que tenha renda. A maior parte delas, segundo o IBGE, são da região nordeste, mulheres, entre 18 e 24 anos e com baixa escolaridade.
Célio se encaixa em duas dessas características: é da região nordeste e tem baixa escolaridade. Aos 26 anos, está matriculado no segundo ano do ensino médio em uma escola pública de Natal. Divide o tempo das aulas com as atividades do assentamento, o qual classifica como “grande família”. É graças à vida em comunidade que consegue sobreviver. “Todo mundo é família. As pessoas do assentamento me ajudam, tenho a Fabiana, outra coordenadora do assentamento, que me ajuda muito quando preciso de um remédio ou comida”, afirma.
O último trabalho com renda fixa que lembra com exatidão foi o de gesseiro. Iniciou a atividade aos 22 anos, ajudando amigos. Ganhou experiência com a prática e pouco tempo depois ele e outros cinco colegas tiveram a ideia de abrir uma pequena empresa. Entretanto, os serviços foram se tornando raros a partir de 2015, como consequência da crise econômica. A empresa acabou se dissolvendo e Célio voltou a ser autônomo, mas por pouco tempo. “Aí sumiu quem procurasse o serviço e eu passei a fazer outros bicos”, disse.
Sem dinheiro para viver sozinho, passou a morar com a tia e a tentar finalizar os estudos. Foi quando conheceu os assentamentos do MLB, por meio de um amigo da escola. “Decidi sair da casa da minha tia e fui ver como era o movimento, já que estava sem emprego”.
A partir disso, as atividades diárias do jovem são muitas. Formada a partir de pessoas que não tem moradia própria, nem condição financeira de alugar casas, as ocupações do MLB, que tem o cunho político na pauta de moradia, têm diversidade de gente. Para tornar mais fácil a convivência, existem uma série de regras que precisam aprender. Por isso, como coordenador, Célio é responsável por plenárias, mutirão de limpezas, reeducação social e conselho familiares.
A rotina é essa desde março deste ano. Nesse intervalo, catou lixo reciclável durante três meses no antigo lixão de Cidade Nova, hoje Estação de Transbordo. O que conseguia pegar, para vender nas sucatadas da cidade, era na disputa entre os muito catadores e as máquinas que trabalham no local. Um dia, na tentativa de catar um objeto, sofreu um corte longo na mão. “Aí eu vi que tinha risco de infecção ou de me acidentar de um jeito mais grave”, conta. “Não valia a pena porque também era muita gente, aí sai”.
Não há muito tempo, sem lembrar quando, também tentou a empreitada como servente de pedreiro e jardineiro, junto com outro colega do assentamento, mas a falta de serviço fez desistir a dupla. Foi então que entrou na categoria dos “desalentados”. “Mas eu penso sim de ir me qualificando melhor, vendo o que vai surgindo de oportunidade, para tentar voltar a procurar trabalho”, reafirma, fazendo questão de ressaltar que, embora sem renda, não está desocupado: “Por enquanto, estou nas atividades voluntárias do MLB, que são muito importantes também”.
Por Trás dos Números
A série “Por trás dos números – Emprego” traz, nesta última semana do mês de setembro, reportagens sobre a vida das pessoas que estão em diversas situações de ocupação. Nesta sexta-feira, abordamos a história de trabalhadores que desistiram de procurar emprego.
Números
178.000 pessoas estão desalentadas no Rio Grande do Norte
Fonte: 2º trimestre de 2018 da PNAD Contínua/ IBGE/ Tribuna do Norte