O juiz Evaldo Dantas Segundo, em processo da comarca de Governador Dix-Sept Rosado, recitou em versos o seu veredito em que julgou procedente o pedido de reparação financeira por abandono afetivo, condenando um pai ao pagamento de R$ 50 mil a sua filha. De acordo com o magistrado, os versos foram uma forma de chamar a atenção do réu de uma maneira menos científica e mais sentimental. “É uma forma de fazê-lo refletir sobre o que fez e quem sabe correr atrás do tempo perdido, afinal, escrever em um texto puramente jurídico talvez não atingisse tal escopo”, destacou.
A sentença destaca que embora o réu tenha reconhecido formalmente a autora como filha, ele deixou de prestar-lhe assistência material por muitos anos e jamais prestou assistência emocional. Segundo o que consta, em virtude do abandono sofrido, a autora sofre com quadro de emagrecimento e diminuição no rendimento escolar, além de outros transtornos psíquicos.
Citado, o réu não contestou a ação e foi decretada revelia. Apesar de, nesse caso, o Código de Processo Civil afirmar que as alegações formuladas pelo autor devem ser consideradas verdadeiras, foram produzidas provas testemunhal e pericial.
Durante prova testemunhal, a autora narrou que o contato com o pai, que mora em São Paulo, sempre foi extremamente raro e realizado por intermédio de terceiros. Segundo ela, só teve a oportunidade de abraçar o pai uma única vez, aos 11 anos, e só o encontrou outras duas vezes: para fazer o teste de DNA e na morte da avó paterna.
“A parte autora demonstra extremo abalo emocional em virtude do abandono emocional que sofreu. Afirma se sentir como um objeto, como alguém sem qualquer importância. Percebe-se de maneira visível a destruição psíquica sofrida pela parte autora em virtude do abandono sofrido”, observa o magistrado em decisão.
“Com os métodos da avaliação Sistema de Avaliação do Relacionamento Parental, foi possível verificar que não existe relacionamento entre pai e filha e que este caso possui muitos indícios de alienação parental”, reforçou a prova pericial.
O juiz Evaldo Dantas destaca em sua decisão que o dever jurídico que recai sobre os pais é de atenção, de livrar os filhos de qualquer forma de negligência, mas que não se obriga a amar. “Este é um sentimento que deriva muto mais de questões morais, sociais, religiosas, ou mesmo psicossomáticas. O Direito não pode obrigar ninguém a amar outra pessoa, mas o dever jurídico de atenção, de não ser negligente, é juridicamente exigível dos pais”, frisa.
Para sua decisão, o magistrado, além de salientar artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Código Civil, destaca o artigo 227 da Constituição Federal, o qual determina que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
A partir do artigo 927 do Código Civil, o qual institui a reparação por aquele que, por ato ilícito, causar dano outrem, o magistrado fixou indenização de R$ 50 mil, considerando a dupla finalidade da indenização: a compensatória e a punitiva.
“Entre a natureza compensatória – pela qual o valor fixado deve compensar o abalo moral sofrido pela vítima sem implicar enriquecimento ilícito a seu favor – e a punitiva – cuja finalidade é, através de uma indenização significativa, dissuadir o agressor de repetir a postura lesiva assumida – prevalece a meu ver, extreme de dúvidas, esta última, considerando-se o princípio da proporcionalidade, a partir do qual cumpre adotar um critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito”, resumiu.
O juiz Evaldo Dantas Segundo explica que quis transmitir para a decisão judicial um pouco do sentimento que a parte experimentou ao lhe trazer a causa para julgar. “Muitas vezes, até em virtude do excesso de trabalho, vemos os processos apenas como folhas de papel. Esquecemos que ali as pessoas estão deixando suas maiores angústias, seus sonhos, seus mais desesperadores momentos”.
Confira o dispositivo completo:
Após leitura atenta de todo o processo, passo a recitar em verso o meu veredito:
Era uma moça meiga que só queria conhecer o pai;
Queria apenas um abraço, nada demais;
Em vez disso, encontrou desprezo, descaso;
Seria filha de outro homem por acaso?
Ele é sim o seu pai e deseja amar mesmo não tendo nada em troca;
Mendigando seu amor, a doce menina só teve NÃO como resposta;
Tal menina, antes cheia de amor e esperança, virou mulher;
Guarda em suas memórias e lembranças a tristeza de amar quem não a quer;
Ouvira por toda a vida que o maior amor do mundo é o amor dos pais;
Só queria este amor para sentir, amor de verdade, amor que não trai;
Infelizmente, porém, teve exatamente o oposto;
Teve alguém que a quis ver pelas costas, com desprezo e desgosto;
Fico triste por esta menina, porém, fico mais triste ainda por este homem e sua eterna sina;
Ser pai é o maior presente da vida e disso não posso duvidar;
Mal sabe este homem a benção que a vida lhe deu e está deixando passar;
Perde a maior dádiva de viver, que é dar a vida a alguém e ensinar o que é amar;
Que a justiça não esqueça que o Direito é o equilíbrio, a harmonia;
Este homem não precisaria a menina amar, bastaria lhe ceder um pouco de sua alegria;
Alegria esta que lhe faltará quando sua idade pesar e as rugas do seu rosto ninguém quiser amparar;
As lágrimas lhe correrão pela face e não duvido quase nada de que será aquela moça abandonada que ajudará a secar;
Ante todo o exposto, julgo procedente o pedido para condenar o indivíduo a cinquenta mil reais à autora pagar;
Tal valor será corrigido desde a presente data pelo índice conhecido como IPCA.
Os juros de mora de 1% ao mês serão contados da citação.
Ainda o condeno a pagar 10% de honorários, estes incidentes sobre o valor da condenação;
Custas e despesas pela parte requerida ante a sucumbência percebida;
Fonte: Portal no Ar